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Mostrando postagens de junho, 2020

VAMPIROS DO ESPAÇO SIDERAL

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Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 23 de junho de 2020 Vampiros do espaço sideral Edgar Vianna de Andrade             Que eu saiba, existem três tipos de vampiros no cinema: os clássicos mortos que são ressuscitados em rituais secretos para trabalhar como escravos no Haiti; os decorrentes de alguma epidemia, radiação nuclear ou fenômeno espacial; e os extraterrestres sugadores de almas e de sangue humano. Os do primeiro tipo receberam atenção em filmes quase esquecidos hoje, como “Zumbi branco”, dirigido por Victor Halperin em 1932. Vários outros na mesma linha se seguiram. Antes mesmo que George Romero lançasse o seu famoso “A noite dos mortos vivos”, em 1968, o zumbi oriundo de algum fenômeno natural já fazia sua aparição no cinema, assim como o zumbi sobrenatural sobreviveu com dificuldades. “Sugar Hill, dirigido por Paul Maslansky em 1974 é um exemplo. Parece que este velho zumbi está voltando.             Mas o zumbi extraterrestre existe há muito tempo. Ele estreou

A MORTE EM QUATRO ROMANCES BRASILEIROS DA ATUALIDADE

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Folha da Manhã, 24 de junho de 2020 A morte em quatro romances brasileiros da atualidade Arthur Soffiati             Uma menina de oito anos morreu. Entende-se que um idoso morra naturalmente. É a lei da vida, como se diz. Fica mais fácil aceitar a morte. Fica menos difícil aceitar a morte de uma criança com doença incurável. Mas torna-se insuportável perder um filho sadio quando criança. “Minha filha deixa seus pais sem chão, pela inversão da lei da natureza que os obriga a sepultar nesta sexta a menina de oito anos, às 11 h no Cemitério da Lapa, na zona oeste de SP.”, escreve Tiago Ferro, o autor de “O pai da menina morta” (São Paulo: Todavia, 2018). O livro recebeu prêmios. O pai inconsolado e inconsolável é o próprio narrador.             Ele nunca mais terá paz. Ele pode fazer o que quiser. Na verdade, faz o que bem deseja, como se ele também estivesse condenado à morte antes do tempo. A relação do ser humano com a morte é uma das mais cruciais em termos de existência. N

REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA (VI): NORTE-NOROESTE DO RIO DE JANEIRO

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Complexus, 26 de junho de 2020 Reflexões sobre a história (VI): Norte-noroeste do Rio de Janeiro Arthur Soffiati             Há vários estudos acadêmicos sobre os grupos indígenas que se fixaram na região que hoje constitui o norte-noroeste do estado do Rio de Janeiro. A ocupação do território correspondente à região por povos nativos obedeceu aos avanços e recuos da área continental (progradação e retrogradação), assim como avanços e recuos do nível do mar (transgressão e regressão). Há 15 mil anos antes do presente, a linha costeira em todo o planeta era mais avançada que atualmente porque o nível do mar era mais baixo. Em grande volume, as águas da Terra estavam encerradas em geleiras, dominantes no hemisfério norte.             No que se transformaria futuramente na região norte-noroeste, a área continental era maior que a atual. A partir de 11.700 anos antes do presente, a temperatura média global começou a elevar-se naturalmente. Entre 7.000 e 5.100 anos antes do presen

TERRA DESOLADA

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Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 15 de junho de 2020 Terra desolada Edgar Vianna de Andrade             Parece que está se estabelecendo um novo normal com a pandemia causada pela covid-19. No início, vários governantes não levaram a gravidade da pandemia na devida conta. O povo acatou as orientações daqueles mais responsáveis. Na China, isolamento e confinamento foram compulsórios. A virose foi controlada no Oriente, causando mais estragos na Europa ocidental, nos Estados Unidos e Brasil. Nestes dois últimos países, os presidentes zombaram do vírus. O do Brasil sempre se revelou cético em relação a ele. Agora, a população brasileira parece ter se cansado de ficar em casa. Saindo do isolamento físico e formando aglomerações, o risco é de uma segunda onda. No Brasil, por enquanto, a onda é uma só, já que a curva segue subindo. O novo normal se assemelha ao velho normal.              Terra desolada é o título de famoso poema de T.S. Elliot, lançado em 1922. Trata-se de

OS INTELECTUAIS E O CORONAVÍRUS

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Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 14 de junho de 2020 Os intelectuais e o coronavírus Arthur Soffiati Slavoj Ž i ž ek nasceu em 1949 , na antiga Iugoslávia , e se tornou um filósofo marxista bastante conhecido n a atualidade. Polêmico, ele se mete em todos os assuntos, da cultura pop à alta filosofia. Fala de cinema com naturalidade e analisa com desenvoltura a obra de Hegel. É comunista, mas não fundamentalista. Em seu mais recente livro ( Pandemia: Covid-19 e a reinvenção do comunismo. São Paulo: Boitempo, 2020), ele se declara “ateu cristão confesso”. Pode parecer estranho, mas não é. Reconheço dois tipos de ateu: o anárquico, como Richard Dawkins, que concluiu pela inexistência de Deus pela biologia, e o filosófico. O marxismo é um dos avatares cristãos do ocidente, ao lado do liberalismo. Nada de estranho no diálogo cristianismo e marxismo. Ž i ž ek não é um filósofo tradicional e formalista. Pelo contrário, está sempre pronto a discutir questões emergentes, co

REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA (III)

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Reflexões sobre a história (III) Arthur Soffiati Professor de história ou historiador: para sair do conforto que a massa continental do hemisfério norte nos confere, entremos na Oceania, conjunto de ilhas abaixo do equador que compreende as ilhas da Nova Guiné, Austrália, Tasmânia e Nova Zelândia (as quatro maiores, sendo a Austrália uma ilha-continente); um conjunto de ilhas muito pequenas (Micronésia); um enorme arquipélago (Melanésia) e ilhas espalhadas pelo oceano Pacífico (Polinésia). Durante o Pleistoceno, Nova Guiné, Austrália e Tasmânia eram unidas por pontes de terra, como acontecia com Ásia e América no istmo de Beríngia. Atualmente, os geólogos denominaram a grande porção de terra contínua da Oceania de continente Sahul. Estima-se que essa continuidade continental permitiu o povoamento de Sahul em torno de 50.000 anos por imigrantes australoides, ancestrais dos papuas e dos aborígenes, ambos negroides. No tempo da migração, viviam em grupos com economia paleolítica

REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA (II)

NÃO QUE EU TENHA SIDO UM MAU PROFESSOR DE HISTÓRIA. EU FAZIA O QUE TODOS QUERIAM: ESCOLA, LIVROS, PLANOS DE CURSO PREVIAMENTE ESTABELECIDOS, PAIS DE ALUNOS E OS PRÓPRIOS ALUNOS. ERA PRECISO MINISTRAR CONTEÚDOS COM VISTAS AO VESTIBULAR. SE O PROFESSOR NÃO MINISTRASSE CONTEÚDOS, ATÉ MESMO OS ALUNOS QUE DETESTAVAM HISTÓRIA (E ERAM QUASE TODOS) RECLAMAVAM. NÃO HAVIA AMBIENTE PARA UMA REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO HISTÓRICO. HOJE, SEM ESSES COMPROMISSOS, POSSO LIVREMENTE PENSAR A RESPEITO DO QUE APRENDI E ENSINEI. POSTO MEU SEGUNDO ARTIGO DA SÉRIE COM ILUSTRAÇÕES. Reflexões sobre a história (II) Arthur Soffiati A divisão da longa jornada humana em pré-história e história, tendo como marco divisório a escrita, além de simplista, não se sustenta. A história da humanidade começou bem antes que seu principal ator, o Homo sapiens, se constituísse como espécie que caminha sobre dois pés, tem as mãos liberadas para tarefas de transformação, coluna vertebral que lhe permite marcha ereta e

CIDADES DESERTAS

Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 08 de junho de 2020 Cidades desertas Edgar Vianna de Andrade             Creio que o alerta mais antigo quanto aos perigos da ciência veio de Mary Shelley, em “Frankenstein”, livro escrito entre 1816 e 1817, quando ela era pouco mais que uma adolescente. Em 1825, ainda jovem, mas já viúva, ela escreveu “O último homem”, livro pouco conhecido, mas considerado pela crítica uma obra-prima. Com trama transcorrida no século XXI, a ficção científica mostra a humanidade dizimada por uma praga, um mundo vazio. O livro é cinematográfico e merecia um filme que até pode existir. Mas desconheço. E o tema é atualíssimo.             O primeiro filme do genial René Clair foi “Paris adormecida”, de 1923. A cidade não aparece deserta, mas com seus habitantes congelados. Apenas seis se movimentam. A paralização decorre da experiência de um cientista que paralisa o mundo inteiro. Depois da Segunda Guerra Mundial e da explosão da primeira bomba atômica, as

REFLEXÕES SOBRE HISTÓRIA (I)

Reflexões sobre a história (I) Arthur Soffiati             Passei 40 anos em sala de aula e só depois de aposentado reflito mais demoradamente sobre o que os livros de história me ensinaram e o que eu ensinei enquanto professor de história. Fundamentalmente, a longa caminhada da humanidade ainda é dividida, nos livros didáticos, nos livros especializados e nos currículos dos cursos superiores, em pré-história e história, tendo como marco divisório os sistemas de escrita. Por este prisma, pré-história e história são entendidas como blocos coesos, com unidade, ajudando a periodização geral do processo.             O que se entende por história, ou seja, a marcha humana depois de inventada a escrita, é dividida em Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea (com iniciais maiúsculas). A pré-história merece poucas páginas nos livros e poucas palavras em sala de aula. Bem pouco no ensino fundamental e médio e pouco mais nos cursos universitários de história. A pré-h