REFLEXÕES SOBRE HISTÓRIA (I)
Reflexões
sobre a história (I)
Arthur
Soffiati
Passei 40 anos em sala de aula e só
depois de aposentado reflito mais demoradamente sobre o que os livros de
história me ensinaram e o que eu ensinei enquanto professor de história.
Fundamentalmente, a longa caminhada da humanidade ainda é dividida, nos livros
didáticos, nos livros especializados e nos currículos dos cursos superiores, em
pré-história e história, tendo como marco divisório os sistemas de escrita. Por
este prisma, pré-história e história são entendidas como blocos coesos, com
unidade, ajudando a periodização geral do processo.
O que se entende por história, ou
seja, a marcha humana depois de inventada a escrita, é dividida em Antiguidade,
Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea (com iniciais maiúsculas). A
pré-história merece poucas páginas nos livros e poucas palavras em sala de
aula. Bem pouco no ensino fundamental e médio e pouco mais nos cursos
universitários de história. A pré-história é mais assunto para arqueólogos do
que para historiadores.
Antiguidade é uma espécie de porão
da história onde os historiadores jogam a pré-história e a infinidade de
civilizações da Europa e do Oriente Médio. Porões costumam ser locais sob o
primeiro piso da casa onde se guardam coisas velhas e variadas. No porão da
Antiguidade, os historiadores também guardam coisas velhas, como pré-história,
Mesopotâmia, Egito, Creta, Grécia e Roma, pelo menos. Parece uma linha contínua
formada por pedaços de barbante emendados que conduz a um desaguadouro luminoso
chamado ocidente. A Idade Média já é ocidente, embora pesasse por muito tempo a
pecha de obscurantismo.
Índia, China, Peru, América Central
e México não entram nesse porão. Embora a Índia e a China já fossem conhecidas
do ocidente pelos romanos, elas não contribuem para a formação do mundo
ocidental segundo os periodizadores. Muito menos as civilizações andina,
centro-americana e mexicana. Todas elas, as do velho e do novo mundo, serão
incorporadas à história (leia-se história do ocidente) ao serem contatadas mais
intensamente, a partir do século XVI, ou ao serem descobertas (só o ocidente
descobre). Sobre elas, será adicionada a contribuição (ou salvação) ocidental,
assim como edifícios andinos e mexicanos serviram como base para igrejas
católicas.
Dessa forma, consolidou-se um eixo
que começa na pré-história e chega na atualidade incorporando em sua
trajetória, a Índia, a China, o Japão e as culturas americanas. Com a formação
dos Estados modernos e nacionais, o eixo é mantido, mas os olhares dos
historiadores se voltam para a história de cada país na história moderna e
contemporânea.
Para começar a desmontar esse
edifício aparentemente sólido, comecemos com a grande divisão entre
pré-história e história. Sabemos ou deveríamos saber que o tempo começa com a
origem do Universo e chega até o momento presente. Mas evitemos a equivocada
“Big history”, que provincializa a história humana. Sim, o tempo passa para o
Universo e para tudo que o constitui. Na verdade, tudo tem história. Contudo,
se tudo tem história, não podemos definir o campo do conhecimento histórico e
seus limites. Além do mais, os métodos da história humana são distintos dos
métodos da cosmologia e da paleontologia.
Os sistemas de escrita criados pelas
culturas humanas não surgiram como entidades metafísicas para decretar o fim da
pré-história e o início da história. Eles –os sistemas de escrita– são fruto da
complexificação de processos econômico-sociais. Eles são inventados, assim como
a agricultura, o pastoreio e a cerâmica. Eles representam respostas a desafios
enfrentados por culturas em que a divisão social e regional do trabalho tornou-se
complexa. As dimensões alcançadas por tais culturas no espaço, sobretudo pela
formação de impérios de diversos tamanhos, exigiram que se criasse uma memória
fora do cérebro em função das muitas informações. Essa memória é a escrita. Ela
funciona como o primeiro computador fora do cérebro.
Quando
os computadores da atualidade passaram a ser usados, foi necessário formar um
grupo de especialistas em seu manejo. Depois, houve um processo de
democratização progressivo que permitiu a inclusão de muitas outras pessoas.
Hoje, estão fora as pessoas idosas que não conseguiram entrar na era digital. A
maioria das pessoas de classes sociais diversas tem nos celulares pequenos
computadores capazes de muitas funções. Mesmo assim, continua existindo uma
minoria que controla técnicas sofisticadas de computação.
Com
os sistemas de escrita, aconteceu algo parecido: no início, eles eram muito
complexos e exigiam especialistas no seu uso. Aos poucos, os sistemas foram se tornando
mais práticos, permitindo sua democratização. Mesmo assim, não incluíram todos
no seu emprego ainda hoje.
Assim,
a escrita não deve ser tomada como um grande marco a dividir pré-história de
história. O período denominado de pré-história contém enorme diversidade, sendo
também o mais longo da caminhada humana. Por outro lado, naquilo que se chama de
história, a diversidade também é muito grande. Essas diversidades merecem
discussão em outro artigo.
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