REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA (III)


Reflexões sobre a história (III)
Arthur Soffiati
Professor de história ou historiador: para sair do conforto que a massa continental do hemisfério norte nos confere, entremos na Oceania, conjunto de ilhas abaixo do equador que compreende as ilhas da Nova Guiné, Austrália, Tasmânia e Nova Zelândia (as quatro maiores, sendo a Austrália uma ilha-continente); um conjunto de ilhas muito pequenas (Micronésia); um enorme arquipélago (Melanésia) e ilhas espalhadas pelo oceano Pacífico (Polinésia). Durante o Pleistoceno, Nova Guiné, Austrália e Tasmânia eram unidas por pontes de terra, como acontecia com Ásia e América no istmo de Beríngia. Atualmente, os geólogos denominaram a grande porção de terra contínua da Oceania de continente Sahul.
Estima-se que essa continuidade continental permitiu o povoamento de Sahul em torno de 50.000 anos por imigrantes australoides, ancestrais dos papuas e dos aborígenes, ambos negroides. No tempo da migração, viviam em grupos com economia paleolítica. Nenhum grupo humano havia ainda provocado a revolução do neolítico.
O nível do mar subiu rapidamente com o derretimento da última geleira, em 10.000 anos antes do presente, dando início ao Holoceno. As faixas contínuas de terra foram submersas pelo mar e originaram incontáveis ilhas. Por volta de 6.000 anos antes do presente, uma nova onda migratória avançou sobre as ilhas, agora por meio da navegação. Os migrantes partiram de Taiwan, Filipinas e Índia Oriental, alcançando a Nova Guiné. Essa nova onda formada pelos austronésios miscigenou-se com os antigos migrantes.
Antes da chegada dos europeus, os habitantes das ilhas desenvolveram uma sofisticada arte náutica e se transformaram nos mais hábeis navegadores do neolítico. Com seus catamarãs e uma ciência sofisticada de navegar, eles chegaram ao arquipélago de Fiji, a Tonga, a Samoa, ao Havaí, à Nova Zelândia, alcançando a distante ilha de Páscoa, hoje com seu nome original de Rapa Nui, quase América do Sul. Aí, os navegadores infatigáveis adotaram um modo de vida sedentário e desenvolveram uma cultura, partindo das suas bases, que alcançou a complexidade de uma civilização.
O historiador britânico Arnold Joseph Toynbee entendeu que a conquista das ilhas do Pacífico exigiu dos polinésios exigiu um grande esforço e um hábil desenvolvimento científico e tecnológico. O desafio representado pelo oceano Pacífico estimulava esse desenvolvimento e, ao mesmo tempo, consumia os esforços dos polinésios na tarefa da sobrevivência. Assim, a civilização que eles poderiam ter desenvolvido estagnou-se. No início de sua investigação, Toynbee criou a categoria de civilizações estagnadas, incluindo nela os polinésios, os habitantes das estepes asiáticas e os esquimós. Grandes extensões de água, de terra árida e de gelo estimularam seus habitantes e, ao mesmo tempo, os paralisaram. Posteriormente, Toynbee entenderá que esses povos desenvolveram sociedades neolíticas avançadas, mas não civilizações.
Esses hábeis navegantes não tinham bússola e astrolábio. Guiavam-se unicamente pelos astros, pelos ventos e pelas características das ondas. Conheciam e praticavam a agricultura com inhame, batata-doce, mandioca, banana, coco, arroz e cana-de-açúcar. Hoje, tem por assentado que a agricultura começou em cinco polos: Oriente Médio, China, América do Sul, leste dos Estados Unidos e Nova Guiné. Esta última começou a praticar a agricultura há 7.000 anos, destacando-se pelo cultivo da banana.
Na Polinésia, desenvolveram-se sociedades neolíticas avançadas que não podem ser compreendidas pelo modelo euroasiático. Os habitantes das incontáveis ilhas dominavam a arte da navegação. Como habitassem ilhas e ao mesmo tempo singrassem os mares em busca de alimentos, sua economia exigiu uma combinação de sedentarismo e nomadismo. Praticavam a agricultura e desenvolveram a cerâmica. Devemos tomar a cerâmica como a marca registrada do neolítico. Podemos imaginar um povo sem agricultura e com vida nômade. A presença da cerâmica é o indício do neolítico.
Já na Austrália, o ambiente é árido na maior parte das terras. Quando os europeus aportaram na ilha-continente, encontraram grupos humanos vivendo da coleta, da pesca e caça. Poucos conheciam algum cultivo, como era o caso dos habitantes das ilhas do Estreito de Torres. No entanto, pujante era a sua cultura imaterial, sobretudo a oral, a onírica e a espiritual. Que se assista ao filme “Onde sonham as formigas verdes”, dirigido pelo cineasta alemão Werner Herzog em 1984. Ficaram conhecidos por aborígenes. Suas técnicas de caça corresponderiam à última fase do paleolítico euroasiático. Na Tasmânia, alguns grupos aborígenes praticaram a agricultura.
Em síntese, a Oceania foi colonizada por dois povos distintos que chegaram em datas afastadas. Os negroides, em torno de 50.000 anos passados ocuparam Nova Guiné, Austrália e Tasmânia. Os austranésios, a partir de 6.000 anos antes do presente, dirigiram-se para a Micronésia, a Melanésia e a Polinésia, havendo mistura com os povos pioneiros. Na Austrália, os aborígenes continuaram num modo de vida paleolítico, coletando, pescando e caçando. Os instrumentos por eles criados os situam em fase correspondente ao final do paleolítico euroasiático. Já os austranésios desenvolveram uma cultura com base na agricultura e na pesca. Semissedentários, eles criaram uma economia neolítica assentada no mar, algo bem diferente do que aconteceu com o neolítico do hemisfério norte, baseado numa agricultura e num pastoreio em terra firme. 




       

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