TERRA DESOLADA
Folha
da Manhã, Campos dos Goytacazes, 15 de junho de 2020
Terra
desolada
Edgar
Vianna de Andrade
Parece
que está se estabelecendo um novo normal com a pandemia causada pela covid-19.
No início, vários governantes não levaram a gravidade da pandemia na devida
conta. O povo acatou as orientações daqueles mais responsáveis. Na China,
isolamento e confinamento foram compulsórios. A virose foi controlada no
Oriente, causando mais estragos na Europa ocidental, nos Estados Unidos e
Brasil. Nestes dois últimos países, os presidentes zombaram do vírus. O do
Brasil sempre se revelou cético em relação a ele. Agora, a população brasileira
parece ter se cansado de ficar em casa. Saindo do isolamento físico e formando
aglomerações, o risco é de uma segunda onda. No Brasil, por enquanto, a onda é
uma só, já que a curva segue subindo. O novo normal se assemelha ao velho
normal.
Terra
desolada é o título de famoso poema de T.S. Elliot, lançado em 1922. Trata-se de
um dos marcos do modernismo. Apesar do título apocalíptico, ele não aborda
nenhuma situação de catástrofe. Nada tem a dizer, indiretamente, para a
covid-19. Diretamente, nem mesmo da gripe espanhola, entre 1918-20. Por mais
devastadoras que têm sido as epidemias, nenhuma delas chegou a ameaçar a
humanidade de extinção. Comento o filme “A hora final”, arrolado entre aqueles
que mostram cidades desertas e dos quais fiz apenas um registro na semana
passada.
“A
hora final”, dirigido por Stanley Kramer em 1959, é um filme de profunda
melancolia. Depois de uma guerra nuclear não mostrada no filme, a humanidade se
restringe à Austrália. Quando as potências nucleares se exterminaram, um
submarino norte-americano estava em operação. Ele emerge em vários pontos do
oceano Pacífico, mas só encontra atmosfera contaminada pela radiatividade, até
chegar na Austrália. Lá, é possível ancorar.
Gregory
Peck faz o papel do comandante do submarino. Na Austrália, ele vai se encontrar
com a Moira, representada pela bela e opulenta Ava Gardner, uma mulher
divorciada e alcoólatra. Resultado da guerra, presume-se. Como tivesse acabado
de perder uma parte do corpo, o comandante se ludibria dizendo que é casado e
tem dois filhos. Os três morreram. Moira se interessa por ele ao se conhecerem.
Anthony Perkins é um jovem oficial australiano casado com Mary (Donna Anderson).
O casal acaba de ganhar uma filha.
Finalmente,
Fred Astaire (Dr. Osborne) representa um cientista amargurado por tudo o que
aconteceu. A ordem é voltar aos Estados Unidos, ou ao que sobrou dele, para uma
inspeção. Perkins e Astaire integram-se à tripulação. Em São Francisco,
Califórnia, a cidade é examinada de longe. Um marinheiro nascido e criado lá se
joga no mar e nada até a costa. Ele está naquela fase psicológica em que a
morte é aceita com resignação. Ele poderia evitá-la naquele momento, mas
prefere ficar. Ocorre então uma cena inusitada: o submarino emerge e conversa
com o marinheiro, que pesca num ancoradouro. Claro que é o comandante falando
por um microfone.
A
tripulação recebe um sinal da terra e um marinheiro é preparado para localizá-lo.
Em filmes de Hollywood, algum sobrevivente estaria pedindo socorro. Mas, em “A
hora final”, quem emite o sinal é um telégrafo que ficou preso numa corda de
persiana deslocada pelo vento. Tudo está deserto. Todos sucumbiram. Ali, não
resta nada.
O
jeito é voltar para a Austrália. Nesse retorno, o Dr. Osborne destila toda a
sua desesperança com a humanidade. Tenta explicar de forma simples o que
aconteceu. Não fala de fissão do átomo, mas da estupidez humana. Reclama das explicações
fáceis. É um homem amargo. Na volta, ele ainda se torna campeão numa corrida de
automóveis. Mas é tudo desespero. Gregory Peck se entrega aos encantos da
voluptuosa Moira. Eles aproveitam a vida. O clima é de que todos morrerão. De
fato, Osborne se suicida. Perkins prepara um forte sonífero para o casal e a
filhinha. A tripulação do submarino deseja voltar aos Estados Unidos. Todos
morrerão. Moira fica sozinha. A humanidade sucumbirá com a radiação. Várias
espécies de plantas e de animais também morrerão.
A
Terra ficará desolada. Não haverá ninguém para saber o que houve: uma guerra
sem vencedores e vencidos. Nenhum patógeno, que se saiba, seria capaz de um
resultado desses. Talvez nem mesmo todo o arsenal nuclear detonado. Mas o filme
é um dos libelos mais pungentes contra a guerra em tempos de bombas atômicas.
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