REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA (VI): NORTE-NOROESTE DO RIO DE JANEIRO
Complexus, 26 de junho de 2020
Reflexões sobre a história (VI):
Norte-noroeste do Rio de Janeiro
Arthur Soffiati
Há
vários estudos acadêmicos sobre os grupos indígenas que se fixaram na região
que hoje constitui o norte-noroeste do estado do Rio de Janeiro. A ocupação do
território correspondente à região por povos nativos obedeceu aos avanços e
recuos da área continental (progradação e retrogradação), assim como avanços e
recuos do nível do mar (transgressão e regressão). Há 15 mil anos antes do
presente, a linha costeira em todo o planeta era mais avançada que atualmente
porque o nível do mar era mais baixo. Em grande volume, as águas da Terra
estavam encerradas em geleiras, dominantes no hemisfério norte.
No
que se transformaria futuramente na região norte-noroeste, a área continental
era maior que a atual. A partir de 11.700 anos antes do presente, a temperatura
média global começou a elevar-se naturalmente. Entre 7.000 e 5.100 anos antes
do presente, o mar começou a transgredir sobre a área continental baixa, talvez
seguindo o vale do Paraíba do Sul, e esbarrou nos contrafortes da Serra do Mar,
na altura do atual Itereré. O arquipélago de Santa integrava essa área de forma
contínua. Portanto, não era um arquipélago. A partir de 11.700 anos antes do
presente, a temperatura média global começou a se elevar naturalmente. Entre
7.000 e 5.100 anos antes do presente, o mar começou a transgredir sobre a área
continental baixa, talvez seguindo o vale do Paraíba do Sul, e esbarrou nos
contrafortes da Serra do Mar, na altura do atual Itereré.
A
partir de 5.100 anos antes do presente, o mar começou a regredir. Os rios da
futura região, com destaque para o Paraíba do Sul, o maior entre eles, foram
transportando sedimentos da zona serrana e dos tabuleiros e formando a grande
planície aluvial do Paraíba do Sul e do sistema fluvial do Ururaí, assim como
as planícies menores dos vales do Macaé, Guaxindiba e Itabapoana. Os povos
indígenas foram acompanhando o avanço continental. A linha de costa se
estabilizou (sempre de forma provisória) por volta de 2.500 anos antes do
presente. A formações rochosas de Santana, deixaram de integrar o continente e
se transformaram primeiro numa península. Depois num arquipélago.
Há
1.260 anos antes do presente, com margem de erro de cerca de 330 anos, ou seja,
no século XI da era cristã, um grupo indígena instalou-se na ilha maior do
Arquipélago de Santana. Havia nela água doce em abundância. Ainda no século
XVI, navios europeus ancoravam ao seu redor para abastecerem-se de água sem
correr o risco de ataques indígenas na foz do rio Macaé, como informam Jean de
Léry e Gabriel Soares de Sousa.
Além
de água, esse povo encontrou alimento em abundância. Sua atividade principal
era a pesca. Até o venenosíssimo baiacu era preparado de modo a se tornar
comestível. Mas esse grupo também complementava a pesca com a coleta de
equinodermos, moluscos, crustáceos e outros invertebrados, e também com a caça
de quelônios, aves e mamíferos. As aves transformaram a ilha num ninhal. Além de
sua carne, os habitantes da ilha alimentavam-se também de seus ovos. Caçavam
igualmente pequenos mamíferos que habitavam a ilha e o continente,
eventualmente visitado pelos indígenas. O povo que habitou a ilha desconhecia a
cerâmica, usando como recipientes carapaças de moluscos e cascos de tartaruga.
Podemos considerar
seu modo de vida como paleolítico, já que não havia agricultura nem cerâmica.
Mas a fartura de alimentos dispensava o nomadismo, como não acontecia com os
grupos paleolíticos da Eurásia. A própria ilha inibia os deslocamentos territoriais,
havendo, no máximo, visitas eventuais ao continente. Esse grupo pode ilustrar o
modelo de paleolítico na América do Sul: coleta, pesca e caça sem nomadismo.
Arquipélago de Santana - Macaé - RJ
Examinando
os sítios do Caju e de Jurubatiba, concluiremos que havia assentamentos. No sítio
de Santana também havia. Contudo no Caju e em Jurubatiba encontraremos um
elemento ausente em Santana: a cerâmica. Esse elemento seria insuficiente para
caracterizar os grupos do Caju e de Jurubatiba como neolíticos.
A
agricultura era conhecida, sobretudo a da mandioca, mas sofreu inibição diante
dos fartos recursos fornecidos pela natureza, como frutos, moluscos,
crustáceos, peixes, aves e mamíferos. O “Roteiro dos Sete Capitães” registra
essa fartura com admiração. Por que investir na agricultura se a natureza era
pródiga? Quanto ao pastoreio, além de não existirem animais facilmente
domesticáveis, a coleta, a pesca e a caça compensavam com vantagem a
domesticação e a criação. A tecelagem era substituída por penas tomadas de
aves, além de ser desnecessária como proteção contra o frio em clima tropical.
Cerâmica e enterramento no sítio
arqueológico do Caju – Campos dos Goytacazes. Foto: Instituto de Arqueologia
Brasileira
O
polimento da pedra não era comum nas planícies fluviais e marinhas da região
por uma razão muito simples: a inexistência de pedra como matéria-prima.
Contudo, ela existia em abundância na zona serrana da região e era polida para
vários usos. Observe-se que era um polimento de qualidade. A metalurgia fica
para os povos considerados civilizados, como os andinos, os centro-americanos e
os habitantes da meseta mexicana.
Assim,
sugere-se a construção de modelos de paleolítico e neolítico adequados às
Américas do Sul e do Norte, à África subsaariana e à Oceania. Comportamentos paleolíticos,
que dispensavam o nomadismo, e neolíticos, que não necessariamente aliavam
cerâmica à agricultura nem adotavam um modo de vida plenamente sedentário, como
os modelos euroasiáticos.
Sugestões de leitura
DIAS JUNIOR, Ondemar F.
Considerações iniciais sobre o terceiro ano de pesquisas no Estado do Rio de
Janeiro. “Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas 3-Resultados
Preliminares do Terceiro Ano (1967-1968)”.
Publicações Avulsas nº 13. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1969.
DIAS, Ondemar e NETO, Jandira. “Pesquisas
arqueológicas no sítio do Caju”. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural
Jornalista Oswaldo Lima, 2014.
FREIRE, José Ribamar Bessa e
MALHEIROS, Márcia Fernanda. “Aldeamentos indígenas do Rio de Janeiro”. Rio de
Janeiro: Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 1977.
GABRIEL,
Adelmo Henrique Daumas e LUZ, Margareth da (Orgs.); FREITAS, Carlos Roberto B.;
SANTOS, Fabiano Vilaça dos; KNAUS, Paulo; SOFFIATI, Arthur (notas explicativas)
e GOMES, Marcelo Abreu. “Roteiro dos Sete Capitães”. Macaé: Funemac Livros,
2012.
HEREDIA, Raimundo Osvaldo; LIMA,
Tania Andrade; e SILVA, Regina Coeli Pinheiro da. “Pesquisas arqueológicas no
norte fluminense: o sítio de Jurubatiba”. Arquivos do Museu de História Natural
vol. VI-VII. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1981-1982.
LÉRY, Jean de. “Viagem à terra do Brasil”. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército, 1961.
LIMA, Tania Andrade e SILVA,
Regina Coeli Pinheiro da. Zoo-arqueologia: alguns resultados para a
pré-história da Ilha de Santana. “Revista de Arqueologia 2 (2)”. Belém: Museu
Paraense Emílio Goeldi, jul/dez de 1984.
LOPES,
Reinaldo José. “1499
- Brasil antes de Cabral”. Rio de Janeiro: Harper Collins,
2017.
MACHADO, Lilia Cheuiche; SENE,
Glaucia Malerba; e RIBEIRO SILVA, Laura P. Estudo preliminar dos ritos
funerários do sítio do Caju, RJ. “Revista de Arqueologia” v. 8, 1. São Paulo: Sociedade de Arqueologia Brasileira, 1994.
MONIOT,
Henri. “A história dos povos sem história”. In: LE GOFF, J. e NORA, P. (org.) “História:
novos problemas”, Rio de Janeiro,
Francisco Alves, 1976.
NEVES, Eduardo Góes Neves. Não
existe neolítico ao sul do Equador: as primeiras cerâmicas amazônicas e sua
falta de relação com a agricultura. In: BARRETO, Cristiana, LIMA, Helena Pinto
e BETANCOURT, Carla Jaimes (org). “Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a
uma nova síntese”. Belém: IPHAN/Ministério da Cultura, 2016.
SOUSA, Gabriel Soares de. “Tratado descritivo do Brasil em 1587”.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.
SOUZA, Alfredo A. C. Mendonça
de; LOTUFO, Cesar Augusto; SOUZA, Joel Coelho de e SOUZA, Murilo Osmar Coelho
de. Notícias preliminares sobre o programa arqueológico do Norte Fluminense. Munda nº15. Coimbra: Grupo de
Arqueologia e Arte do Centro, 1988.
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