TERRA
Folha da Manhã, 31 de outubro de 2020
Terra
Há mais terra na Terra do que água.
Na escola, aprendemos que os oceanos ocupam ¾ do planeta, assim como o líquido no
corpo humano ocupa a mesma proporção. Mas mergulhemos em águas rasas, doces e
salgadas, e encontraremos terra no fundo. Mergulhemos nas fossas abissais com equipamentos,
tripulados ou não. Encontraremos terra no final. Nos profundos rios da bacia do Amazonas,
esbarraremos em terra.
Um dos quatro elementos dos
pensadores físicos da Grécia antiga, conhecidos como pré-socráticos, terra é o
elemento sólido, seja pedra, barro, areia etc. Se os outros três são água, ar e
fogo. Depreende-se que terra, por exclusão, engloba todo tipo de sólido não-vivo
natural. Mais espesso e volumoso que a terra, só o ar em seu sentido amplo. A
espessura da camada atmosférica vai de 7 a 14 quilômetros. Em torno de todo o
planeta, passando sobre a terra e o mar, sob o qual existe terra.
Mas a água se espalha sobre a terra
de modo variado. Não há lugar mais molhado que os oceanos, os mares e os rios.
Mas, no meio dessa água, pode surgir terra em forma de ilha. E de novo podemos
encontrar água nas ilhas em forma de lago, como acontece na ilha de Marajó,
onde existe o lago Arari. Há terras com muita umidade, como na Groelândia, em
que a água é sólida, na forma de gelo, em sua maior parte. As terras
intertropicais costumam conter bastante umidade. Daí crescerem nelas
luxuriantes florestas. Mas há terras muito secas, como o deserto de Atacama.
E a água está no ar, em grande ou
pequena proporção. O ideal, dizem os estudiosos, é que a atmosfera contenha, no
mínimo, 60% de umidade em estado gasoso. Quanto mais desértica é a terra, menos
umidade no ar. Pode acontecer, como vimos de sobra este ano, de ares úmidos
tornarem-se ares secos. Então, entra em cena o fogo. Empédocles ainda é atual,
mais de 2.500 anos depois de ter vivido: o mundo é formado por ar, terra, água
e fogo. São os quatro elementos que, combinados pela força do Amor, geram todas
as criaturas. Mas a força do Ódio as desintegra e deixa os quatro elementos disponíveis
para uma nova combinação.
No presente momento, as atividades
humanas na Terra têm liberado gases que se acumulam nas camadas mais altas da
atmosfera e dificultam a fuga do calor. Presos, eles aquecem o ar, a terra e a
água. Esse processo começou com a invenção da agricultura e da pecuária e
prosseguiu com o advento das civilizações. Ninguém se incomodou com a elevação
das temperaturas do ar, da água e da terra até a última década do século XX.
Apenas cientistas e ambientalistas alertavam quanto ao seu perigo. Os mais
críticos demonstravam que a economia originada no século XI europeu e difundida
ao mundo todo a partir do século XV era a responsável pelo aquecimento.
Empresários, governos e população de todos os países não acreditavam que a
Terra estava esquentando. Nem mesmo a maioria dos cientistas.
Agora, as elites estão se
convencendo dessa elevação de temperatura. As geleiras estão derretendo, o
nível dos oceanos está se elevando e avançando sobre a terra. A vegetação
herbácea, arbustiva e arbórea dos continentes está carente de água. Esta aridez
favorece a entrada em cena do elemento fogo. Se humanos que se importam apenas
com seus interesses particulares, cortam essa vegetação e a incendeiam na
estação seca, o fogo a consome e se alastra para a vegetação viva, mas também
seca, como acontece na Amazônia, no Cerrado, na Caatinga, no Pantanal, no
domínio Atlântico e nos Campos do Sul. Ocorre também em biomas de outros países
e continentes.
A Terra e as terras estão cada vez
mais ressecadas. Enquanto os oceanos avançam sobre elas, a água doce se retrai,
como em muitos lugares do Brasil e do mundo, e a terra avança. Os processos de
desertificação se intensificam. Há menos água no ar e na terra. Há mais calor
no ar, na terra e na água.
Os quatro elementos dos físicos
gregos não se apresentam mais como Empédocles os concebeu. Para ele, a força do
Amor os combinava e os transformava em plantas, peixes, aves, mamíferos,
mulheres e homens. A força do Ódio levava esses seres à morte e os decompunha,
deixando os quatro elementos livres para se recombinarem em seres diferentes.
Os físicos da antiga Grécia viviam
num mundo equilibrado apesar de devastações locais. Mas a civilização ocidental
quebrou esse equilíbrio. Os elementos se combinam de forma destrutiva, e não
mais por conta própria. Agora, um animal chamado humano, dentro de um sistema
econômico, promove essas combinações de forma destrutiva. Água, terra e ar
poluídos, rarefeitos. Árvores cortadas e queimadas. Florestas e outras formas
de vegetação natural removidas para que as boiadas passem e se instalem. Esse é
o mundo de hoje. Um mundo dominado por uma economia destruidora e autofágica.
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