O MANGUE DO RIO ITABAPOANA E A PINTURA
O mangue do rio Itabapoana e a
pintura
Arthur Soffiati
Sempre que um especialista em
manguezal escreve sobre ele, começa por explicar o que vem a ser este
ecossistema. Se ele escrever cem artigos, cem vezes o núcleo central do escrito
será precedido pela inevitável definição, como se o leitor nunca aprendesse o
que vem a ser um manguezal. Creio que não existe essa necessidade quando se
escrever sobre a Mata Atlântica, o Cerrado, a Caatinga, a Amazônia. Neste
artigo simples sobre a obra de um autor que representa o manguezal do rio
Itabapoana em suas pinturas, a necessidade de explicar, ainda que de forma
sumária, o que vem a ser um manguezal, torna-se indispensável. Sobretudo
porque, aqui, o destinatário é mais alguém interessado em arte que em
ecossistemas vegetais nativos. Em segundo lugar, é também imprescindível
escrever algumas palavras sobre o rio Itabapoana, pois se trata de um pequeno
curso d’água pouco conhecido no Sudeste, no Brasil e no mundo.
Manguezal, ou simplesmente
mangue, é um ecossistema vegetal cujas plantas se adaptaram ao ambiente salobro
de estuários, isto é, à foz de rio no mar, onde a água salgada se mistura à
água doce, reduzindo a salinidade. O ambiente a que essas plantas se adaptaram
contém pouco oxigênio e apresenta um substrato lamoso e compacto. Durante as
marés cheias, a base dessas plantas fica submersa. Para viver em ambiente
hostil, elas precisam se adaptar. Para tanto, desenvolveram raízes que se
dirigem à superfície do substrato para colher oxigênio. Essa forma adaptativa está
presente no mangue branco (Laguncularia
racemosa) e na siribeira (gênero Avicennia).
Já o mangue vermelho (gênero Rhizophora)
ramifica seu tronco na base, formando escoras que conferem à árvore o aspecto
de uma aranha. Nessas ramificações do tronco, existem poros respiradouros
denominados lenticelas. Para lidar com o excesso de sal, as plantas ou barram a
entrada do excedente ou o excluem pelas folhas ou ainda o dissolvem em seu
organismo. Completando esta mínima descrição, é preciso dizer que o manguezal
não ocorre em todos os estuários do mundo, mas apenas naqueles existentes na
zona intertropical, ultrapassando-a um pouco abaixo e um pouco acima.
Por sua vez, o rio Itabapoana,
segundo João Clímaco da Rocha, nasce na serra do Caparaó e desemboca no mar,
depois de percorrer 260 quilômetros. Junto à sua foz, Pero de Gois, donatário
de Capitania de São Tomé, ergueu a Vila da Rainha, por volta de 1539. Se
tivesse vida contínua, o povoado seria um dos mais antigos do Brasil, anterior
mesmo ao Rio de Janeiro. Na última queda d’água do rio, Pero de Gois construiu
um engenho movido pela energia hidráulica. Ele conheceu o manguezal, essa
vegetação estranha que os portugueses encontraram no transcorrer do século XV
por conta de sua expansão marítima pelo Atlântico sul e Índico, em zona
tropical. No decurso do século XVI, as palavras mangue e manguezal, de origem
malaia, começaram a se integrar às línguas ocidentais: manglar, em espanhol; mangrove,
em francês; mangrove, em inglês.
O rio Itabapoana, que estava
totalmente integrado à Capitania de São Tomé, acabou tomado como divisa entre o
Espírito Santo e o Rio de Janeiro a partir do século XVII e permaneceu nessa
condição até os dias de hoje. Em sua foz, do lado do Rio de Janeiro, ergue-se a
localidade de Barra do Itabapoana, hoje sede de vila do município de São
Francisco de Itabapoana. Do fluminense, o manguezal vem cedendo espaço à parte
urbana da vila, mas ainda conserva um bosque expressivo rio acima. No lado capixaba,
ele está mais conservado. Mesmo assim, sua integridade já foi comprometida pela
obtenção de lenha e de caibros para construção civil.
Não se pode dizer que o
manguezal do rio Itabapoana é ou foi expressivo. Os das regiões Nordeste e
Norte são muito mais amplos. Suas árvores alcançam altitudes fantásticas. O
ambiente do manguezal suscita lendas relacionadas a entidades protetoras. Não
consta que o manguezal do rio Itabapoana tenha motivado alguma. Raros são
também os artistas que se inspiram nele ou que, ao menos, representem-no como
fundo de desenhos e quadros. Mesmo a representação pictórica deles por
cientistas não é muito comum.
De todos, os manguezais de
Recife, Pernambuco, são os mais frequentes nas artes. Na poesia, João Cabral de
Melo Neto. No romance, Josué de Castro. Na música popular, o movimento Mangue Beat.
Na pintura, vários artistas estão retratando o manguezal em suas telas. Claro
que outros manguezais do Brasil têm inspirado lendas, poesia, desenho, pintura,
fotografia, mas nunca como os de Recife, que já estão bastante combalidos pela expansão
urbana.
No rio Itabapoana, o pequeno
manguezal começou a figurar nas telas do artista plástico Uellington Soares, morador
da localidade de Barra do Itabapoana. Seus quadros representam a figura
do pescador, pois a pesca de rio e de mar tem na foz do Itabapoana um
entreposto ainda movimentado. Ele tende a simplificar as pinturas de forma
quase cubista. A figura humana aparece sempre sem olhos, nariz e boca. A própria
tela é cortada por traços que acentuam o geometrismo. Geralmente, a figura
humana aparece na pele de um pescador tendo barcos ou o mangue como panorama,
como nos quadros abaixo.
Pescador do
Itabapoana I
Pescador do
Itabapoana III
No primeiro, o pescador exibe o peixe com um barco ao fundo. No segundo,
segurando um peixe em cada mão pela cauda, o pescador os exibe. Ao fundo, o
manguezal com uma das suas marcas registradas: o mangue vermelho. Suas escoras
são nítidas, assim como a massa arbórea.
Em outro, o ser humano cede lugar a uma garça, ela também pescando nas
águas rasas do mangue do rio Itabapoana.
Garça do
Itabapoana I
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