UM CASO DE AMOR EM MEIO À EPIDEMIA
Folha da Manhã, Campos do Goytacazes, 23 de setembro de 2020
Um caso de amor em meio à epidemia
Edgar Vianna de Andrade
Raros
são os filmes sobre doenças contagiosas produzidos de forma consistente. Ou
lhes falta roteiro ou lhes falta direção. Excluirei os filmes em que as pessoas
contaminadas se transformam em zumbis. Existem muitos. Geralmente, eles são
construídos como metáforas. A economia, a sociedade e a cultura padronizantes
transformam as pessoas em zumbis. E a coisa pega. Já comentei os filmes relacionados a
“Extermínio”, ambos sobre epidemia de zumbis. “Rec” é um filme de terror
misturado com ficção científica. “Ensaio sobre a cegueira” tem um objetivo
claramente político. “Demente” é também um filme que denuncia as artimanhas do
capitalismo. “Os doze macacos” mergulha muito na ficção científica, com viagens
no tempo e transmissão por viajantes.
Eu
destacaria três que merecem mais atenção: “Sentidos do amor”, “O enigma de Andrômeda” e
“Contágio”. Amigos, parentes e conhecidos insistem para que eu busque filmes
nas plataformas em vez de na minha imensa coleção de DVDs, algo completamente
fora de moda e superado por meios digitais. Cedi a eles e admiti assistir a “A
gripe”, filme coreano com roteiro e direção de Kim Sung-su lançado em 2013.
A
atmosfera da pandemia causada pela covid-19 vem se formando desde o início do
século XXI. Paira sobre a humanidade o risco de epidemias com potencial
pandêmico. A gripe H1N1, em 2009-10, prometia causar um grande estrago se
saísse da China. A gripe suína começou no México e ganhou o estatuto de
pandemia. Mas não se disseminou como o esperado. O ebola saiu da África, mas
foi contido. Acreditou-se no início que o novo corona vírus não prosperaria.
Acabou ganhando o mundo.
“A
gripe” imagina um surto de gripe aviária causado por uma cepa mortal de H5N1,
no distrito de Bundang, Coreia do Sul. Rapidamente, ele se propaga, matando
milhares de pessoas em 36 horas. Como no filme “Epidemia”, existe uma história
de amor no contexto da epidemia. Em “Epidemia”, trata-se de um amor desfeito
que se recompõe. Em “A gripe”, uma médica epidemiologista separada com uma
filha pequena é salva por um socorrista também separado. Com altos e baixos, o
amor se fortalece no meio da morte.
No
entanto, outros problemas afloram em “A gripe”, como está ocorrendo com a
pandemia do corona vírus. Países aparentemente “civilizados”, como é a Coreia
do Sul, expõem suas garras. Não apenas o governo coreano quer conter a epidemia
nos limites da cidade em que eclodiu. Os Estados Unidos querem conter a doença
nas fronteiras coreanas. E assim como a força policial coreana apela para a
violência contra a população em pânico, os Estados Unidos ameaçam um ataque
militar ao país.
Mas
eis que, no meio do caos, emerge a figura firme e decidida do presidente do
país. Ele ordena o bombardeio das aeronaves dos Estados Unidos e a suspensão do
massacre da população pela polícia. O final é tão inconsistente quanto o final
de “Epidemia”. Encontrado o hospedeiro (nesse, um macaquinho; em “A gripe”, a filha
da médica, que adquirira imunidade), tudo está resolvido. Como num restaurante,
os médicos pedem para preparar às pressas uma vacina salvadora. Salta uma
vacina. É pra já.
Creio
que voltarei aos DVDs da minha coleção.
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