CORONAVÍRUS: UMA INTERPRETAÇÃO ECOLÓGICA
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 22 de março de 2020
Coronavírus: uma interpretação ecológica
Coronavírus: uma interpretação ecológica
Arthur Soffiati
Pelos meios de comunicação,
sobretudo pelas redes de televisão, as informações sobre cuidados com a higiene
pessoal e as orientações para não criar pânico invadem as residências mais que
o próprio vírus da novo Corona. Estamos tão imersos no dia a dia da pandemia
que não nos interessa saber as causas profundas das doenças transmissíveis. As
TVs dedicam tanto tempo insistindo no controle do pânico que as pessoas acabam
concluindo que deve haver algo perigoso e que mereça pânico.
Em perspectiva histórica, as
epidemias ganham terreno cada vez mais amplo quanto maior a expansão de alguma
civilização. A peste negra, no século XIV, veio da Ásia e provocou mortandade
em massa na Europa Ocidental. O contato principal entre oriente e ocidente era,
então, feito pelos muçulmanos e venezianos. Foi por eles que a bactéria causadora
da peste entrou na Europa e devastou sua população.
Os micro-organismos não eram então
conhecidos. A medicina se confundia com o curandeirismo. A bactéria
hospedava-se no rato preto e era passada dele para humanos pela pulga. De um
catolicismo ainda muito fundamentalista, a população julgou que a peste era um
castigo de Deus ou maldição do Demônio. Bodes expiatórios foram logo eleitos
pelo povo: as mulheres consideradas feiticeiras e os gatos. Estes quase
exterminados por serem animais diabólicos, quando, na verdade, combatiam os
ratos.
A peste não alcançou a América e a
Austrália por motivos óbvios: os dois continentes não estavam integrados ao
sistema comercial eurasiano por serem desconhecidos. Com a expansão da
civilização europeia e do seu sistema econômico, doenças para as quais o
organismo dos ocidentais já havia criado imunidade manifestaram-se com virulência
nos povos americanos, que as desconheciam, como a varíola, a sífilis, o
sarampo, a tuberculose e a simples gripe. Houve extermínio em massa causado
pelo mero contato ou propositalmente. As doenças viajavam de caravela então.
Com a gripe espanhola, na segunda
década do século XX, a viagem do vírus passou a ser mais rápida e confortável
usando grandes navios. Ela não nasceu na Espanha, mas foi este país o primeiro
a identificá-la. Ao que tudo indica, a gripe entrou na América com o retorno
dos soldados que lutaram na Primeira Guerra Mundial.
E as epidemias-pandemias foram
ganhando âmbitos mais dilatados na medida em que o mundo foi se ocidentalizando
e se comunicando com mais rapidez. Hoje, os micro-organismos patogênicos viajam
de avião. Diante da pandemia do Covid-19, destacamos alguns pontos a serem
observados em caráter explicativo e válidos para qualquer pandemia.
1-
Contato promíscuo com a natureza: nunca a humanidade exerceu tanta pressão
sobre os ambientes naturais como atualmente. Agora, combinando costumes locais
com economia global. Animais que portam vírus, bactérias e fungos e que são
imunes a eles estão em contato muito próximo com humanos. Alguns servem de
alimento para eles, como a civeta, os morcegos e o pangolim na China e nas
Filipinas. Calcula-se que cerca de um milhão de exemplares de pangolim sejam
retirados de seus ambientes para servirem de caro petisco nos países do extremo
oriente. Daí ser ele a espécie mais ameaçada de extinção do mundo. A esta
altura, os ambientes naturais deveriam ser protegidos das ações humanas
destruidoras, mas isto não acontecerá, e novas epidemias/pandemias migrarão
deles para os ambientes humanos.
2-
Grandes concentrações humanas. A contaminação de algumas pessoas favorece a
contaminação de muitas pelas grandes aglomerações humanas. Tudo indica que a
atual pandemia do novo corona vírus começou numa feira livre de Wuhan, centro
industrial da China com cerca de 10 milhões de habitantes.
Metrópole: grande concentração humana
3-
Comunicações velozes. As doenças contagiosas têm um período de incubação que
pode durar algum tempo para se manifestar. Numa viagem longa, as pessoas
contaminadas podem manifestar a doença ainda caminhando, montadas em cavalo ou
viajando de navio. Agora, com os velozes aviões, uma pessoa é contaminada na
China e manifesta a doença na semana seguinte nos Estados Unidos, contaminando
várias pessoas que, por sua vez, contaminarão outras, em progressão geométrica.
Velozes aviões comerciais
4-Pobreza:
médicos têm aconselhado a auto quarentena para as pessoas contaminadas, mas
fica difícil o auto isolamento em comunidades pobres, onde o isolamento se
torna praticamente impossível. Basta ver o caso das favelas: casas
encarapitadas e falta de saneamento básico.
Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro
5-
Economia: a economia de mercado, criada pelo ocidente e difundida por todo o
planeta cria condições favoráveis ao surgimento de doenças contagiosas e a sua
expansão. Pelo menos a indústria, o comércio e os serviços necessitam de
concentrações humanas para a produção e o consumo. Mas as concentrações
favorecem a disseminação de doenças. A economia de mercado vive um dilema: cria
concentrações humanas que facilitam a eclosão e a propagação de epidemias. Para
combatê-las, as autoridades desaconselham ou proíbem as concentrações, o que
leva a profundas recessões econômicas.
Assembleia de trabalhadores de uma indústria
6-
Envelhecimento: a indústria farmacêutica tem auferido muitos lucros com
medicamentos que prolongam a vida das pessoas, mas não eliminam as fragilidades
inerentes ao envelhecimento, como doenças cardíacas e respiratórias tanto
quanto a queda da imunidade. Assim, elas vivem mais desde que no ambiente não
estejam circulando organismos causadores de epidemias.
Baile da terceira idade
Comentários
Postar um comentário