AINDA O CORONAVÍRUS


Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 29 de março de 2020
Ainda o coronavírus
Arthur Soffiati
            Não podemos comprovar cientificamente que Deus está castigando a humanidade com essa nova pandemia viral. Não podemos demonstrar que o Diabo mandou o novo coronavírus para nos flagelar. Não podemos mostrar que o vírus é um mal que Deus deixou atingir a humanidade para castigar a sua soberba. Não há provas convincentes de que o vírus é fruto de laboratórios chineses para ferir os Estados Unidos nem de que os Estados Unidos inventaram o vírus para afastar a concorrência chinesa na economia. Não há como demonstrar que o vírus foi criado como arma de guerra e escapou do controle.
            Por outro lado, não há como confirmar que a nova pandemia é uma ficção, tratando-se apenas de uma invenção para beneficiar alguém, alguma empresa e algum país. Ela está aí, adoecendo pessoas, levando outras para os hospitais e já conduzindo outras mais para os cemitérios. Nem tanto nem tão pouco. Nem céu nem inferno nem ficção.
Não podemos ver o vírus e nem o plano sobrenatural a olho nu. Mas a olho vestido com microscópio eletrônico, ele passa a ser visível. O sobrenatural não. Nem ser vivo se pode dizer que um vírus é. Existe uma infinidade deles. Muitos causam doenças que podem ser mortais. O covid-19 invadiu a humanidade e está desmontando a economia capitalista em todo o mundo, mudando hábitos de vida e aterrorizando milhões de pessoas.
Quem tem memória nesse momento, sabe que as pandemias não são novidade. No curso de uma vida de 80 anos, uma pessoa já presenciou o advento do vírus HIV, do Ebola, da dengue, SARS, Chikungunya, Zika, febre amarela, sarampo e outros mais. Contudo, o coronavírus parece ser o primeiro a atingir o mundo todo no século XXI. Indo além de uma vida por meio de livros, podemos evocar a gripe espanhola, que circundou o mundo em 1918, numa viagem mais longa que a de Fernão de Magalhães. Acredita-se que seu epicentro tenha sido os Estados Unidos e que, encontrando clima favorável na Primeira Guerra Mundial, matou entre 60 e 100 milhões de pessoas num mundo de 1 bilhão e 600 milhões de habitantes. Mais que as mortes da Primeira e da Segunda Guerras juntas. Não se sabia o que era vírus na época e não foram tomados os cuidados que estão sendo tomados agora.
            Examinei os vírus e constatei que não há maldade neles. Na verdade, eles não têm a mínima ideia de que existem e de que estão causando tanto estrago entre os humanos, suas sociedades e sua economia. Surpreende-nos que uma entidade tão microscópica possa abalar o mundo.
Sabe-se que, em grande parte, os vírus provêm das florestas que ainda existem. Vivem em animais resistentes a eles, que, ao serem caçados e comidos por humanos, encontram ambiente favorável à sua disseminação ou mudam para adaptar-se ao novo organismo. Os vírus decorrem, em grande medida, da guerra sem tréguas que o mundo ocidental e ocidentalizado declarou à natureza. Esta guerra não se parece com as guerras travadas entre humanos. Entre nós, existe a consciência de que o outro lado é inimigo. A guerra contra a natureza é vista como obtenção de recursos, como se a natureza fosse um estoque e uma grande lixeira, ambos inesgotáveis. Só a partir da década de 1970, algumas pessoas mais atentas perceberam que a exploração era uma guerra total.
Toda vez que se luta contra uma epidemia ou pandemia, fala-se que o inimigo agora é invisível, mas não se entende, sequer de forma figurada, que epidemias e pandemias, mudanças climáticas, desequilíbrios ambientais, elevação do nível dos mares são inconscientes manifestações bélicas da natureza, sempre tomando cuidado em frisar que a expressão guerra é uma metáfora. Na verdade, a natureza não está movendo guerra contra a humanidade como vingança contra as agressões que perpetramos a ela. A natureza busca apenas autorregulação.
O mundo tornou-se superpovoado. Quem se posiciona no que se denomina de humanismo, vai me considerar um malthusiano, um conservador. Malthus advertiu que a humanidade cresce em progressão geométrica, enquanto a produção de alimentos cresce em progressão aritmética. Alerta-se agora para uma outra questão: a Terra não suporta confortavelmente uma população de 10 bilhões de humanos. As populações de outras espécies são naturalmente controladas e não entendemos esse controle como conservador. A questão agora se refere aos limites do crescimento, sem pretendermos retomar a discussão levantada pelo Clube de Roma, na década de 1970. Não estamos propondo que o desenvolvimento capitalista seja congelado em cada país no nível em que está.
Notamos que, assim como os centros de poder se deslocam, acontece o mesmo com os epicentros das pandemias. A Europa ocidental já foi o centro de um sistema econômico mundial. Ele se deslocou para a periferia. Estados Unidos de um lado e, até certo ponto, União Soviética de outro. Agora, a China começa e se constituir num novo centro. O coronavírus começou na China. O novo epicentro agora é a Europa ocidental, mais precisamente a Itália. O vírus tende a transformar os Estados Unidos no terceiro epicentro. Quem sorriu como epicentro da economia agora sofre como epicentro da pandemia.

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