MANGUEZAIS DO SUL DO ESPÍRITO SANTO (FINAL)
Manguezais do sul do Espírito Santo (final)
Arthur Soffiati
Na
primeira parte deste artigo, passamos em revista os manguezais do rio
Itapemirim e das lagoas d’Anta, do Siri, Lagoinha, Pitas e Mangue. Terminamos
agora com as lagoas da Tiririca, Boa Vista e Marobá, assim como o rio
Itabapoana.
Além de
secionada pela ES-
Imagens de satélite revelam que o vale da lagoa Boa Vista, na verdade um rio que descia outrora da unidade de tabuleiro do sul capixaba, contava com grande área e extensão. Seu estado atual é lastimável. A larga faixa de praia mostra que sua barra está consolidada e certamente fechada há muito tempo, ainda que moradores tenham informado sobre sua abertura manual periodicamente. Nas cercanias da barra, o antigo traçado da ES-060 corre sobre a diminuta passagem para o fluxo das águas. Assim, no curso baixo, o antigo rio, obrigado a transformar-se em lagoa, apresenta-se dividido em dois grandes segmentos. O primeiro, da barra à rodovia, conta, ao que parece, tão somente com mangue branco, quase todos os exemplares apresentando raízes anômalas com sistema respiratório acima do nível da água em virtude da estabilização da lagoa. Um sistema aberto para o mar provoca a oscilação do nível da lâmina d’água. Ora enchendo ora esvaziando, o manguezal funciona normalmente. Sem a influência das marés ou com a lâmina d’água afogando as raízes respiradoras (pneumatóforos), as plantas desenvolvem mecanismos de adaptação e se tornam anômalas ou não resistem às novas condições e morrem. Outras plantas encontradas nesse manguezal não são exclusivas do manguezal, como o algodão (Talipariti pernambucense), o anel de senhora (Dalbergia ecastaphyllum) e o mololô (Annona glabra). Elas entram no espaço do mangue por serem oportunistas e indicarem mudanças na saúde do ecossistema.
O acúmulo de
algas em primeiro plano indica eutrofização da lagoa de Boa Vista
O traçado
definitivo da rodovia ES-060 cortou novamente a lagoa ao norte da primeira
ponte, agravando mais ainda seu estado geral.
Rodovia ES-060 cortando área de manguezal na lagoa Boa Vista
Manguezal da lagoa de Marobá
Esse antigo
curso d’água era o maior sistema fluvial entre os rios Itapemirim e Itabapoana,
mas foi parcialmente barrado e transformado numa lagoa embrejada, conhecida
também como brejo do Criador. O rio desemboca na praia de Marobá por barra
periodicamente aberta. Muito mutilado, o sistema hídrico e o manguezal
apresentam nítidos sinais de estresse causado por ações humanas. O manguezal
que se desenvolveu junto à foz tem, na sua composição, mangue branco (Laguncularia racemosa), siribeira (Avicennia germinans), mangue vermelho (Rhizophora mangle), mololô (Annona glabra), anel de senhora (Dalbergia
ecastaphyllum), algodão (Talipariti pernambucense) e samambaia do
brejo (Acrostichum aureum). A dominância cabe ao mangue branco, com
quase todos os exemplares desenvolvendo raízes anômalas. As transformações
antrópicas das bordas estão permitindo a penetração de plantas invasoras, sobretudo
de trepadeiras. Moradores deixam entrever que o manguezal perdeu o valor
econômico, não existindo mais uma cultura construída em função dele, como, de
resto, está acontecendo com os outros manguezais do sul capixaba.
Não há informações confiáveis acerca da presença ou não do caranguejo uçá (Ucides cordatus). De fato, a área inundável em que vive este crustáceo está permanentemente submersa. Diz-se que o guaiamum (Cardisoma guanhumi) tornou-se rarefeito. Tocas dele ainda são avistadas nas margens do mangue.
No estirão do
córrego acima da ES-060, é visível a ação do Departamento Nacional de Obras e Saneamento
(DNOS), que promoveu a canalização do curso d’água.
O rio
Itabapoana foi tomado como divisa entre Espírito Santo e Rio de Janeiro desde o
século XVIII. Desenvolveu-se, no estuário dele, um manguezal pujante em tempos
passados. Um relatório da extinta Fundação Estadual de Engenharia do Meio
Ambiente (FEEMA), datado de 1980, já acusava a acentuada supressão de grandes
partes do manguezal na margem direita do rio (RJ), causada pela expansão da
Vila de Barra do Itabapoana, antiga São Sebastião. Notava também que a área
mais protegida se situava na margem esquerda (ES), onde foram avistados altos
exemplares de siribeira (Avicennia
germinans) (FEEMA. Relatório técnico
sobre manguezal. RT 1123. Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente:
Rio de Janeiro, 1980).
No relatório de
Cláudia Vale e Renata Ferreira Diniz (“Os manguezais do Espírito Santo”
(Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo/Departamento de Geografia,
1995), pouco se fala dele e mais uma vez aparece a confusão entre Avicennia germinans e Avicennia schaueriana. Aliás, seus
autores não assinalam a presença de manguezais nas lagoas entre os rios
Itapemirim e Itabapoana. Para biólogos e geógrafos, só os grandes bosques de mangue
são considerados.
Estudo efetuado
em 2004 mostra que os manguezais com áreas mais extensas no Espírito Santo são
os da Baía de Vitória e dos estuários dos rios Piraqueaçu, São Mateus,
Benevente e Itabapoana. O mesmo estudo afirma que a estrutura da floresta,
troncos vivos e mortos, revelam a dominância de A. germinans e indicam que o manguezal do estuário do rio
Itabapoana se distingue de outros manguezais do Estado do Rio de Janeiro, nos
quais é geralmente maior a dominância de mangue vermelho e/ou de mangue branco
(BERNINI, Elaine e REZENDE, Carlos Eduardo. Variação estrutural em florestas de
mangue do estuário do rio Itabapoana, ES-RJ. Revista Biotemas 23 (1) http://periodicos.ufsc.br/index.php/biotemas Florianópolis:
Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, março de 2010).
Em ambas as
margens do rio, na altura de seu estuário, a urbanização avança sobre o
manguezal. A substituição do ecossistema pelo núcleo de Barra do Itabapoana se
processa de forma rápida e totalmente desordenada, a despeito de todos os
esforços do Ministério Público e da Justiça em contê-la. Diga-se de passagem
que o manguezal é, por enquanto, um ecossistema considerado Área de Preservação
Permanente em toda a sua extensão pela legislação vigente, o que significa ser
intangível, mesmo com a revogação recente de duas Resoluções do Conama que
protegiam restingas e manguezais de forma mais restritiva. A consolidação do
núcleo urbano não permite mais a recuperação do manguezal por conta própria.
E, com a
urbanização, vêm outros problemas, mencionados no estudo de 2004: “Os sítios da
margem direita estão sob maior influência de impactos (lançamento de efluentes
domésticos, lixo, corte de vegetação, aterros, construção de estradas) em
relação aos sítios da margem esquerda (presença de lixo e árvores cortadas). De
fato, a maior parte do manguezal à margem direita do rio Itabapoana foi
modificada pelo processo de urbanização e, atualmente, as florestas se
restringem, principalmente, às margens de canais e às áreas sob influência das
marés.”
Na parte
fluminense, ainda existem algumas florestas de mangue remanescentes num trecho acima
da foz, num bolsão próximo ao mar e num canal que parte do rio paralelamente à
costa. A julgar pela amostra que se conserva no território capixaba, o
manguezal contava (e em alguns trechos ainda conta) com altaneiros exemplares
de Avicennia germinans (alguns com
até
Um estudo
realizado entre 2010 e 2011 concluiu que a contribuição de Avicennia germinans e Rhizophora
mangle é consideravelmente maior para a produção de serrapilheira total, o
que indica a maior dominância e a densidade relativa dessas espécies na área.
No período seco, A. germinans revelou
maior produção de folhas, o que pode sugerir uma estratégia de economia
energética com o fim de assegurar a dispersão das estruturas reprodutivas por
ocasião do período chuvoso. Já R. mangle apresentou
período de floração mais longo, o que favorece a polinização, como também
produziu mais frutos durante a estação das chuvas, quando a oportunidade de
dispersão é maior. A elevada taxa de produtividade associada ao bom
desenvolvimento estrutural da floresta leva a concluir que os tensores
antrópicos nesse manguezal não chegaram ainda ao ponto de afetar com
intensidade a floresta da margem esquerda do estuário.
Por fim, para
os objetivos desta investigação de história ambiental, o estudo revela que as
estratégias reprodutivas observadas sugerem que o período chuvoso constitui o
momento mais apropriado para a coleta de sementes (propágulos) destinados ao
replantio de manguezais perturbados ou degradados, tendo em vista o aumento da
oferta de frutos nesse período para as três espécies estudadas (CHAGAS, Tássia.
Produção de serrapilheira ao longo do
gradiente de inundação em florestas de mangue no estuário do rio Itabapoana.
Campos dos Goytacazes: Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro,
2012).
Há, na margem
capixaba do rio, um longo canal que parte dele e corre paralelo à costa,
intrometendo-se curiosamente na zona da cobertura vegetal nativa de restinga:
zona de vegetação herbácea, manguezal, zona de vegetação arbustiva, zona de
vegetação arbórea, esta última hoje devastada. Os dois canais, um na margem
esquerda e outro na margem direita, sugerem uma espécie de pequeno delta no
passado, sobre o qual deu notícia o geólogo canadense George Frederick Hartt em
1870 (Geologia e Geografia Física do
Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941).
Ambos os
canais, o da margem direita e o da margem esquerda, fluem ao sabor das marés,
ora numa direção, ora noutra, atravessando trechos embrejados. O do lado
fluminense está cercado pela vila. Aliás, para este canal, confluem outros
menores por onde a língua salina penetra e cria condições para o
desenvolvimento de mangue branco, mangue vermelho e siribeira, samambaia do
brejo (Acrostichum aureum), guaxuma (Talipariti pernambucense) e
mololô (Annona glabra). O do lado
capixaba já começa a sofrer pressão. A grande ameaça ao manguezal começa a se
avultar.
Aspecto do
manguezal do rio Itabapoana na margem fluminense
Os
grandes problemas a afetar este manguezal são o corte das árvores em vários
pontos para crescimento urbano com habitações de baixa renda, o lançamento de
esgoto doméstico e a disposição de resíduos sólidos. Apesar de tudo, é possível
proteger uma boa amostra do manguezal remanescente no lado do Estado do Rio de
Janeiro. Para tanto, torna-se necessário o ordenamento da expansão urbana, que
deve ser contida junto ao ecossistema, quer na margem do rio, quer no canal que
dele deriva, quer ainda nos canais secundários, inclusive com a transferência
de habitações pioneiras que começam a criar novas províncias urbanas. O esgoto
deve obrigatoriamente passar por tratamento no mínimo primário para
subtrair-lhe a carga poluente. O lixo deve ter outra destinação que não as
áreas de manguezal.
Estes fatores
conjugados têm atuado sinergicamente para empobrecer a diversidade faunística
(já não se pratica como antes a captura de uçá, guaiamum e siri), peixes,
jacarés e aves rareiam. Quanto aos mamíferos, há sempre referências a guaxinins
e gambás. Talvez ocorra ainda a lontra.
Para a extinta
FEEMA, este manguezal deveria ser protegido em regime cooperativo entre os
Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Enfatize-se, também, a
importância de promover estudos sobre o referido manguezal e os impactos que
vêm sofrendo de modo a melhor salvaguardá-lo.
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