CIDADES DESERTAS
Folha da Manhã, Campos dos
Goytacazes, 08 de junho de 2020
Cidades desertas
Edgar Vianna de Andrade
Creio que o alerta mais antigo
quanto aos perigos da ciência veio de Mary Shelley, em “Frankenstein”, livro
escrito entre 1816 e 1817, quando ela era pouco mais que uma adolescente. Em
1825, ainda jovem, mas já viúva, ela escreveu “O último homem”, livro pouco
conhecido, mas considerado pela crítica uma obra-prima. Com trama transcorrida
no século XXI, a ficção científica mostra a humanidade dizimada por uma praga,
um mundo vazio. O livro é cinematográfico e merecia um filme que até pode
existir. Mas desconheço. E o tema é atualíssimo.
O primeiro filme do genial René
Clair foi “Paris adormecida”, de 1923. A cidade não aparece deserta, mas com
seus habitantes congelados. Apenas seis se movimentam. A paralização decorre da
experiência de um cientista que paralisa o mundo inteiro. Depois da Segunda
Guerra Mundial e da explosão da primeira bomba atômica, as epidemias e a
energia nuclear causam extermínio em massa e deixam cidades desertas nos
filmes. Stanley Kramer dirigiu, em 1959, o premiado “A hora final”, reunindo
elenco de famosos, como Ava Gardner, Gregory Peck, Donna Anderson, Anthony
Perkins e Fred Astaire. Depois de uma guerra mundial com armas nucleares, o
mundo fica restrito a poucas pessoas na Austrália. As cidades estão desertas e
misteriosamente tranquilas. E ainda há clima para um grande romance.
“O
diabo, a carne e o mundo”, dirigido por Ranald MacDougall em 1959, mostra um
operário preso numa mina depois de um acidente. Ele espera ser salvo, mas não
ouve nenhum ruído mais. Consegue se salvar por conta própria e descobre que não
existe mais ninguém. Caminha até Nova Iorque e encontra uma mulher e um homem.
O enredo é ambientado no contexto da guerra fria. Duas bombas atômicas detonadas
nos polos Norte e Sul pela União Soviética e pelos Estados Unidos colocam a
Terra em rota de colisão com o Sol. E agora? Esta a sinopse “O dia em que a
Terra se incendiou, de 1961, com direção de Val Guest.
“Mortos que matam” é o primeiro filme baseado no romance “Eu sou a
lenda”, de Richard
Matheson. Foi dirigido por Ubaldo Ragona em 1964. A humanidade é exterminada
por uma pandemia. Por ter imunidade natural, um cientista sobrevive. Ele não
sabe que outras pessoas sobreviveram, mas sim que a pandemia criou
mortos-vivos. Os zumbis oriundos de algum efeito radiativo, químico ou
biológico começam a invadir o cinema.
A
segunda adaptação de “Eu sou a lenda” data de 1971, dirigido por Boris Sagal,
tendo Charlton Heston como protagonista. Neste filme, os sobreviventes além do
cientista aparecem com mais clareza. Os zumbis são adeptos de uma seita
religiosa. A cidade aparece deserta. Thom Eberhardt dirigiu, em 1984, “Noite do cometa”, misto de ficção
científica e comédia. Após a passagem de um cometa pela Terra, muitas pessoas
morrem em decorrência da radiação, ressuscitando depois, como zumbis comedores
de carne. Duas adolescentes que sobreviveram à radiação terão que lutar contra
os mortos-vivos. Os novos zumbis progridem.
“Terra tranquila” é um filme neozelandês de 1985 dirigido Geoff Murphy.
Depois de uma experiência inusitada, todos morrem. A Terra fica despovoada com
apenas um sobrevivente que descobre uma mulher e um homem também sobreviventes.
O filme é pouco convincente. Depois de uma pandemia, os habitantes da
Inglaterra (não há mais detalhes) morrem, restando apenas três pessoas. A
experiência com animais acaba permitindo que um vírus passe para os humanos.
Eles se transformam em zumbis carnívoros. Em síntese, esse é o enredo de
“Extermínio”, filme de 2002, dirigido por Danny Boyle. Há tomadas belíssimas de
Londres deserta. Mas os novos zumbis estão lá espreitando os poucos vivos. E o
filme teve continuação, agora com gente demais nas ruas.
“Eu sou a lenda” virou filme de
mesmo nome em 2007. Foi uma superprodução dirigida por Francis Lawrence tendo
Will Smith com ator principal e quase único numa cidade vazia invadida por
zumbis durante a noite. De 2009, é o sofrível “A estrada”, de John Hillcoat. Um
pai perambula com seu filho em direção ao mar num mundo devastado não sei sabe por
quê. As plantas morreram por falta de oxigênio. Já dizia um cientista: se as
plantas morrem, nenhum animal pode mais viver. Finalmente, em 2010, Albert e
Allen Hugues dirigem “O Livro de Eli”, com Denzel Washington perambulando por
um mundo arruinado pela guerra. Nessa época, uma guerra nuclear não era a
principal ameaça para o mundo. Eli deseja paz, mas não o provoquem. Ele pode
ser pior que a guerra.
Quem sabe a covid-19 gerará algum
filme de cidades desertas?
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