UMA VEGETAÇÃO TROPICAL NA PLANÍCIE GOITACÁ ONTEM E HOJE
Campos Magazine News, Campos dos Goytacazes, 25 de outubro de 2019
Uma vegetação tropical na
planície goitacá ontem e hoje
Arthur Soffiati
Todo artigo e livro sobre
manguezais começa explicando que eles, os manguezais, são um ecossistema de
transição entre a terra e o mar. Há mais detalhes nas definições, mas o
fundamental é sempre repetido. Os estudiosos do manguezal se assemelham aos
apreciadores de música erudita que desejam levar seu prazer a todos ou a
muitos. É o desejo de educar quase sempre malsucedido. Desde adolescente, ouço
o discurso de que as orquestras sinfônicas devem executar música popular (até
mesmo as péssimas) ao lado das eruditas (de preferência facinhas) para educar
as pessoas. Ao longo de minha vida, essa experiência vem sendo feita pelas
orquestras e, a partir dos anos de 1980, a música popular vem se tornando mais
pobre, ao mesmo tempo em que a música erudita não se torna mais rica.
Com os manguezais, acontece algo
parecido. Por mais que os estudiosos expliquem o que eles são, as pessoas
continuam acreditando que se trata lugares pútridos e fétidos a serem
substituídos por algo melhor, tipo assim casas. Trabalho com manguezais desde
1990 e os conheço desde a minha infância. Sou historiador e não biólogo. Sempre
os vi como um tipo de ambiente fascinante e misterioso. Guardo essas impressões
para mim sem mais tentar educar as pessoas.
Mudando de assunto, mas ainda
nele, reli em “Geologia do quaternário costeiro do litoral norte do Rio de
Janeiro e do Espírito Santo”. Belo Horizonte: CPRM, 1997), dos geólogos Louis
Martin, Kenitiro Suguiu, José Dominguez e Jean-Marie Flexor, que “Durante os
últimos 7.000 anos, os manguezais chegaram a ocupar maiores áreas, tendo
diminuído nos últimos anos”. Eles se referem à formação deltaica dos rios Doce
(Espírito Santo) e Paraíba do Sul (Rio de Janeiro). E mencionam a contribuição desse
fantástico ecossistema na retenção de sedimentos formadores das duas planícies.
Detenho-me na planície aluvial
formada pelo rio Paraíba do Sul, que estudo há 40 anos. Antes dela, havia um
continente que avançava mais no mar. Os manguezais deviam ser bem mais
numerosos porque mais cursos d´água desembocavam no mar há uns 15 mil anos
passados. Posso enumerar os principais de norte para o sul: Itapemirim,
Itabapoana, Guaxindiba, Paraíba do Sul (que chegava ao mar cortando outro tipo
de formação geológica) e Macaé. Entre eles, córregos desciam da Formação
Barreiras, alcançando o mar permanente ou periodicamente. Esses córregos se
transformaram em lagoa alongadas e assoreadas com vestígios vivos ou mortos das
plantas de mangue ainda hoje.
Não quero ensinar nada, mas
devemos lembrar que o manguezal precisa de água salobra ou com baixa salinidade
para se desenvolver. Não o encontraremos nos rios de Minas Gerais nem em alto
mar. Há 15 mil anos os cursos de água doce que chegavam aos oceanos tinham suas
bacias cobertas de vegetação nativa. Portanto, a erosão e o assoreamento eram
muito reduzidos. Quando o modo de produção capitalista chegou ao Brasil com os
portugueses, tudo começou a mudar. A natureza passou a ser um recurso econômico
de valor monetário ou um obstáculo a ser removido para alcançar riquezas
maiores.
Quando o mar começou a avançar
sobre as partes baixas desse antigo continente, os estuários começaram a
recuar. A água salgada invadiu o rio Itabapoana, deslocando seu estuário (área
em que a água doce encontra a água salgada. De novo tentando explicar). Assim,
o manguezal do rio Itabapoana transferiu-se para o interior do seu leito. O
manguezal que mais se deslocou foi o do rio Paraíba do Sul, pois o mar invadiu
seu baixo curso até perto da zona serrana, que, por ser mais alta, deteve o
avanço oceânico.
Quando examino o mapa desenhado
pelos quatro geólogos mostrando o avanço máximo do mar sobre o Paraíba do Sul,
em 5.100 anos passados, e quando vejo o mapa correspondendo ao recuo do mar e
ao avanço do rio na construção da planície, encontro canais que devem ser os
formadores de cursos d´água ainda hoje existentes e que poucos conhecem.
Encontro os contornos da lagoa de Cima, que não chegou a ser invadida pelo mar,
e as origens do rio Ururaí e Paraíba do Sul (todos conhecidos da população e
dos governantes, embora mal). Encontro também o delineamento do que julgo ser
os rios Preto, de Cacumanga e do Cula (bastante desconhecidos da população e dos
governantes).
Hoje, o Itereré está assoreado.
O Cacumanga virou uma vala de esgoto e lixo de Campos, Tapera e Ururaí. O Cula
é tombado pelo Instituto Estadual de Patrimônio Cultural e está sendo soterrado
por lixo, aterros e edificações. Ele foi uma ramificação do rio Paraíba do Sul
em Campos que se dirigia para a baixada. Era bastante íntimo da população
campista urbana e rural no século XVIII e era conhecido pelo nome de Córrego
Grande, figurando no mapa de 1785 do ilustre capitão cartógrafo Manoel Martins
do Couto Reis. Hoje, ele sofreu tantas amputações que se transformou num canal
cotó. Do corpo, só restou o dedinho do pé.
Em
nenhum deles, atualmente, poderia haver manguezal, não por estarem em estado
deplorável, mas por terem sido afastados do mar pela ampliação da planície.
Antes de prosseguir, examinemos o mapa correspondendo à formação da planície
goitacá entre 5.100 e 4.200 anos passados, acima apresentado.
Córrego do Cula ou Grande Canal
atualmente
Os pontos assinalados com
números em vermelho devem ter sido cobertos de mangues nas extremidades
terminais porque as condições ali eram propícias e eles: água doce proveniente
dos rios e água salgada numa grande laguna que o mar formou quando invadiu o
continente anterior. Mesmo nas bordas dessa laguna, não necessariamente na foz
dos rios que vão formar a planície, o mangue encontraria condições ambientais
para crescer, pois ele não nasce apenas em foz de rios que desembocam no mar,
senão que podem ocorrer em meios não muito salinos, como acontece em Búzios,
por exemplo, como o Mangue de Pedra, o manguezal da ponta da Sapata e o pequeno
mangue da praia da Foca. Toda a zona pantanosa do norte da laguna era propícia
a manguezais. Devia, pois, existir uma floresta densa de mangue por volta de
4.000 anos passados na planície em formação.
Rio Ururaí hoje
Mas os sedimentos continuaram a
ser transportados para a laguna à medida que o mar recuava e os rios avançavam,
formando a planície. Não podemos dizer que um litoral está concluído porque
sempre existe um equilíbrio dinâmico entre oceanos e continentes. Tomemos o
caso de Atafona, Açu e Manguinhos para ilustrar a erosão que o mar vem causando
na costa. Além das alterações humanas nos rios, como desmatamento, barramentos
e transposições, o nível dos oceanos está subindo por conta do aquecimento global.
Os dois fatores conjugados provocam erosão costeira.
Hoje, na costa do que denomino
de Ecorregião de São Tomé, encontramos manguezais nos estuários dos rios
Itapemirim, Itabapoana, Guaxindiba, Paraíba do Sul e Macaé, além das amostras
residuais no antigo rio Iguaçu e nos antigos pequenos córregos que se
transformaram em lagoas alongadas. Infelizmente, todos eles estão estressados e
sendo eliminados.
Comentários
Postar um comentário