NO TEMPO DO STOP MOTION
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 25 de maio de 2020
No tempo do stop motion
Edgar Vianna de Andrade
Desde seus primórdios, cinema é truque. No sentido
literal, stop motion significa ‘parar o movimento’. No jargão cinematográfico,
quer dizer quadro-a-quadro, técnica de animação em que um objeto é fotografado
numa posição. Em seguida, numa outra, muito próxima da primeira, e assim
sucessivamente. Depois, os negativos são reunidos e colocados em movimento
atrás da luz. A projeção confere ao conjunto a visão de movimento.
O cinema, em si, é uma forma de quadro-a-quadro. Para se
obter um movimento convincente, devem ser usados 24 quadros por segundo pelo
menos. Cada quadro, chama-se fotograma. Reunindo-se 24 fotogramas sobre uma
mesma cena, a cada segundo tem-se o movimento completo. Isso vale para os
chamados desenhos animados.
Mas quando se coloca, por exemplo, um animal de massa
cuja posição deve ser mudada e fotografada para que o conjunto dos fotogramas
dê a sensação de movimento, a operação se torna mais difícil. Tudo fica ainda
mais complicado quando esse animal ou algo parecido deve ser sincronizado com
alguém filmado. Parece que a pessoa tem movimentos normais, enquanto o animal
parece saltar de um movimento para outro sem os intermediários.
A
primeira grande e desafiadora experiência em stop motion foi feita no filme “O
mundo perdido”, dirigido por Harry Hoyt em 1925. Willis O’Brien criou os
dinossauros, que foram a grande sensação do filme. Ele também criará o grande
macaco para o filme “King Kong”, de 1933.
Ray Harryhausen (1920-2013) assistiu aos dois
filmes e se apaixonou pela técnica. Ele seria o maior representante dela entre as
décadas de 1950 a 1970. Depois, a animação computadoriza superou o stop motion
mas não o sepultou. Alguns filmes ainda se valeram dele no século XXI. Num
filme com efeitos especiais construídos por Ray Harryhausen, não se sabe
distinguir com clareza onde começa e onde termina seu dedo mágico. As figuras
feitas de material maleável mesclam-se às pessoas e à paisagem.
No
final da década de 1940, a equipe que realizou “King Kong” reuniu-se novamente
para filmar “O monstro do mundo perdido”, uma espécie de versão moderna do
famoso filme de 1933, embora menos épica. Ernest B. Schoedsack, diretor do
primeiro, foi também o diretor do segundo. Nele, Harryhausen faz a sua estreia
como animador. O macaco do filme ainda é meio lento para seu criador.
Em
1955, em “O monstro do mar revolto”, de Robert Gordon, Harryhausen já é dono de
um virtuosismo técnico impressionante. Quem acha que o primeiro ataque ao
coração dos Estados Unidos foi perpetrado por humanos nas Torres Gêmeas de Nova
Iorque, verá, nesse filme, que os terroristas do oriente médio foram
antecedidos por um grande polvo que destruiu a Golden Gate, na Califórnia. Esse
animal marinho enorme é resultado da radiação nuclear. Trata-se de um dos
primeiros alertas sobre os perigos da bomba atômica.
No
ano seguinte, os Estados Unidos enfrentam um ataque extraterrestre em “A
invasão dos discos voadores”, de Fred F. Sears. As naves e seus habitantes
ficam a cargo de Harryhausen. Uma invasão proveniente do espaço estava na moda,
mas pode-se entender que se tratava de uma metáfora à ameaça soviética.
Em
“Simbad e a princesa”, filme dirigido por Nathan Juran em 1958, Harryhausen
estreia uma de suas paixões em animação: dragões, ciclopes e esqueletos que lutam
com espadas contra humanos. O filme impressionou os jovens James Cameron,
George Lucas e Steven Spielberg. Este último sonhou dirigir um filme animado
por Harryhausen,
mas já dominavam então os computadores.
Dirigido por Cy Endfeld, “A ilha
misteriosa”, de 1961, não permitiu a Harryhausen
desenvolver muitos bonecos animados. Já em “Jasão e os argonautas”, dirigido
por Don Chaffey em 1963, uma legião de esqueletos luta contra Jasão e seus
companheiros. É uma cena eletrizante de causar inveja a qualquer computador. Em
“Os primeiros homens na Lua”, de 1964, e com direção de Nathan Juran,
Harryhausen não tem muita oportunidade de se expressar. Agora, não é a Terra
que está ameaçada, mas os habitantes da Lua pela invasão humana.
Na
opinião deste comentarista, o momento mais fecundo de Harryhausen foi em “Mil
séculos antes de Cristo, dirigido por Don Chaffey em 1966. O filme é sofrível,
mas a variedade de animais fabricados por ele é notável. O momento mais
fantástico é o de um pterossauro voando com Rachel Welch nas garras. Deve ter sido
muito difícil acoplar uma pessoa a uma criatura artificial em tamanhos
diferentes.
A supremacia do stop motion estava
chegando ao fim quando foi lançado, em 1973, “A nova viagem de Simbad”, de
Gordon Hessler. O momento supremo
impressiona até hoje: a deusa hinduísta Kali usa seus seis braços empunhando
seis espadas nas mãos contra uma espada somente de Simbad. Em “Simbad e o olho
do tigre”, com direção de Sam Wanamaker, em 1977, é seu penúltimo filme. Aqui,
primatas equivocados são o destaque. Mas não importa que um grande ciclope de
chifre seja classificado de ancestral humano que gosta das mulheres como
fêmeas. É a arte de Harryhausen que
interessa. Por toda contribuição
que ele deu à tecnologia do cinema, sua arte devia ser mais conhecida. Eu teria
dificuldade em escolher um filme seu para ilustrar sua obra.
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