PICADA MORTAL
Folha da Manhã, Campos dos
Goytacazes, 05 de maio de 2020
Picada mortal
Edgar Vianna de Andrade
Uma base militar é retomada por
soldados fortemente armados. Em frente dela, uma caminhonete parada e vazia
parece suspeita. Os militares descem andar por andar. Encontram todos mortos.
Mas, de uma porta, aparece um vivo que recebe voz de prisão. Ele se apresenta
como entomólogo, mas não convence. Os militares conferem seus documentos junto
ao alto comando. Sim, é um entomólogo renomado, talvez o maior do mundo, como
os Estados Unidos gostam de mostrar nos filmes. Mas não apenas isso: ele é
designado para assumir o comando da operação com todos os militares tendo de
obedecer suas ordens. O ataque à base e as mortes não se devem a inimigos
russos (estávamos no tempo da guerra fria), mas a abelhas africanas.
Esse é resumo do início do filme “O
enxame”, de Irwin Allen, o mestre do cinema-catástrofe. Ele ficou conhecido por
“Inferno na torre” ou “A torre do inferno” (1974) e também
por outros, como “O mundo perdido”
(1960), “Viagem ao fundo do mar”
(1961), “Cinco semanas num balão”
(1962), “A cidade sob o mar”
(1971), “O destino do Poseidon”
(1972) e “O dia em que o mundo acabou”
(1980), todos eles filmes de alto orçamento com elencos famosos.
Em
“O enxame”, de 1978, Allen reúne Michael Caine, Richard Widmark, Katharine
Ross, Henry Fonda, Richard Chamberlain, Olivia de Haveland e Fred MacMurray,
entre outros. É bem verdade que a maioria estava em fim de carreira. De
qualquer maneira, tratava-se de uma superprodução bem aos moldes de Hollywood.
O grande inimigo não é um arquivilão, nem terroristas (ainda não estavam na
moda), nem a União Soviética, mas abelhas africanas. Com relação a elas, as
informações científicas são superficiais no filme. As abelhas teriam vindo do
Brasil arrastadas por furacões. Eram extremamente agressivas e venenosas, ao
contrário das abelhas americanas, dóceis e úteis ao homem. Soa a um comentário
ligeiramente xenófobo. África e Brasil exportam abelhas selvagens, enquanto que
as abelhas dos Estados Unidos são superiores e úteis.
Na verdade,
as abelhas americanas têm origem europeia e foram introduzidas nos séculos XV e
XVI, com as grandes navegações. As africanas são de fato mais agressivas, mas
do mesmo gênero da europeia. Quando introduzidas na América, provocaram medo,
mas logo cruzaram com a europeia e se tornaram africanizadas. “O enxame”
aproveita esse momento. Nesse tempo de corona vírus, o filme já contém alguns
ingredientes que lembram os dias de hoje. Tal qual o vírus, havia pouca
informação sobre elas. A picada de duas era suficiente para matar uma pessoa,
que, entretanto, podia resistir a seu poderoso veneno, tendo, dias depois, uma
recaída mortal.
Clichê muito
comum nos filmes dos Estados Unidos, tudo começa numa pequena cidade do
interior, que se torna o foco de atenção do governo federal e dos meios de
comunicação. O curioso é que esses filmes têm limites. Crianças não morrem.
Casais apaixonados também não. Allen, contudo, não poupa jovens de uma escola.
Vários morrem picados. Além de liquidarem os militares e civis da base militar,
as abelhas derrubam helicópteros e descarrilam trens. Um triângulo amoroso
formado por dois homens e uma mulher, todos já idosos, é eliminado. Fala-se em
isolamento e evacuação. Tudo inútil. As abelhas dirigem-se para Huston, onde
farão um descomunal estrago. As armas dos cientistas fracassam. Os militares
voltam ao poder depois que as abelhas detonam uma central nuclear.
A linguagem muda. Agora, é guerra em moldes convencionais contra as
assassinas. As abelhas são comparadas a um inimigo poderoso. São inteligentes e
más. O entomólogo comenta, com uma ponta de ironia, que era o primeiro ataque
inimigo ao coração dos Estados Unidos e não partia de outro país, mas de
abelhas. Para eliminá-las, o exército empregará pesticidas. A questão ambiental
já estava na pauta, pois o filme foi lançado seis anos após a Conferência de
Estocolmo. Usar pesticida significava afetar toda a cadeia alimentar e matar as
abelhas “americanas”, responsáveis pela polinização e por milhões de dólares
oriundos das lavouras. Mas tudo é inútil. As abelhas resistem a venenos e a
fogo. Só não resistem a um apelo sexual: o cientista restante (Michael Caine),
que ficará com a mocinha (Katharine Ross, uma médica militar), descobre um som
que atrai as abelhas em época de acasalamento. De forma bastante antiecológica,
o entomólogo atrairá as abelhas para o golfo do México e as queimará com óleo
despejado nas águas do mar.
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