Folha
da Manhã, Campos dos Goytacazes, 07 de outubro de 2020
Em
outro espaço e tempo
“O
vale proibido”
Edgar
Vianna de Andrade
Existe
um roteiro básico nos filmes de ficção científica que nos acompanha desde a
década de 1920, pelo menos. Ele se repete, com variações. O primeiro filme a
desenvolvê-lo de forma plena foi “O mundo perdido”, de 1925, baseado em livro
de mesmo título escrito por Arthur Conan Doyle, pai de Sherlock Holmes. Em linhas
gerais, trata-se do seguinte: o processo de transformação da natureza (o que
chamamos de evolução) elimina floras e faunas, dando lugar a outras; mas, em
lugares recônditos, remanescentes de faunas extintas sobrevivem isoladas e
ignoradas. Por acaso ou intencionalmente, elas são descobertas por aventureiros
ou cientistas. É comum elas já serem conhecidas por povos nativos também
ignorados pelos “civilizados”. Um desses animais é levado ao mundo desenvolvido
e mantido com segurança máxima para ser exposto em público e render dinheiro.
Mesmo sob controle absoluto, ele foge e faz um grande estrago na cidade antes
de fugir ou ser morto.
Em
“O mundo perdido”, o animal é um brontossauro, que acaba fugindo pelo rio
Tâmisa. Em “King-Kong”, de 1933, o roteiro se repete, assim como em suas
refilmagens. Numa ilha desconhecida vive um povo que cultua um grande macaco
como divindade, oferecendo-lhe sacrifícios humanos. O gorila gigantesco convive
com dinossauros. É capturado por aventureiros ocidentais e levado para Nova
Iorque, onde se apaixona pela mocinha. Apresentado ao público com fins
lucrativos, ele acaba fugindo, sequestrando a mocinha e sendo abatido por armas
de fogo. Esse é sempre o drama dos animais. Em “Monstro de um mundo perdido”,
de 1949, o roteiro é uma variação de “King-Kong”. Mas há nele uma inovação
fundamental: entra em cena Ray Harryhausen, o mestre do stop-motion.
Em
resumo, a fauna de outro tempo continua vivendo em nosso tempo, mas em lugar
recôndito. Ela transita à força de um espaço a outro. Esse espaço pode estar
muito distante, como um planeta do nosso sistema ou de outro. Ray Harryhausen
também produziu o grande mostro de “A 20 Milhões de Milhas da Terra”, de 1957.
Neste filme, o “monstro” pega carona na primeira nave espacial terráquea que
chega a Vênus e vem aterrorizar a Terra. A lista de filmes em que o perigo vem
do espaço é longa. Fiquemos apenas com “Allien”. “Parque dos dinossauros”
ilustra a continuidade de faunas extintas e ressuscitadas em nosso planeta.
O comentário de hoje refere-se a “O
vale proibido”, filme de 1969 dirigido por Jim O’Connoly. Não existiam ainda
efeitos especiais computadorizados. Eles eram produzidos pela técnica do
stop-motion. Modelos flexíveis em miniatura eram fotografados em posições
diversas. Cada fotograma fixava um movimento do modelo. Depois, colocados em
movimento, os fotogramas davam vida ao boneco. Mais uma vez, entra em cena o
lendário Ray Harryhausen. O roteiro não apresenta novidades. Num vale de
difícil acesso, habita uma fauna extinta. Um tempo antigo existe num espaço
proibido. Um Eoipos, mais antigo ancestral do
cavalo, é encontrado no vale e levado para exibição pública. Harryhausen cria um animal lindo e amoroso.
Um paleontólogo está à procura do local em que vivem animais já desaparecidos.
Um aventureiro se une a ele e os dois buscam o local. Um atrás de fama no mundo
científico. O outro interessado em ganhar dinheiro. Uma velha xamã os adverte
inutilmente do perigo.
O vale é encontrado. Há de tudo
nele. Harryhausen promove briga de tiranossauro com apatossauro. Em “Mil
Séculos Antes de Cristo”, de 1966, ele opera a fantástica cena de um
pterossauro agarrando a opulente Rachel Welch, alçando voo e a levando para seu
ninho. Em “O vale proibido”, três anos depois, ele repete a cena com a mocinha.
Um “monstro” é capturado e levado
para uma pequena cidade mexicana, onde deverá ser exposto ao público com fins
comerciais. Mas o dinossauro foge e encurrala a população numa igreja, que será
quase totalmente destruída pelo “monstro” iconoclasta antes de ser morto.
No meio desse drama social,
insere-se uma história de amor. Filme previsível e esquecível não fosse pela
arte de Ray Harryhausen.
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