AR

Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 17 de outubro de 2020 
Ar 
 Arthur Soffiati 

Antes de Sócrates, viveram pensadores na Grécia que se dedicaram a compreender e explicar a natureza. Eram os físicos. Para a maioria deles, tudo o que existia no mundo resultava da combinação de quatro elementos: ar, fogo, terra e água. Atualmente, o ar é explicado de forma mais complexa. O ar que respiramos a cada minuto sem perceber é o nosso principal alimento. Podemos viver 45 dias sem comida (dizem) e 15 dias sem água (também dizem), alguns dias sem dormir, mas não podemos passar cinco minutos sem respirar. Que o diga o espírito do afro-americano George Floyd, que morreu pedindo para respirar. O ar, na sua atual composição, é produto de bactérias fotossintetizadoras. Antes delas, a vida aeróbica era impossível. Existiam apenas as bactérias anaeróbicas no fundo da água lamacenta, onde a radiação mortal do sol não chegava. As bactérias aeróbicas esconderam-se no fundo do mar e desenvolveram um sistema de alimentação que transformava a radiação solar filtrada em energia. Em troca, lançava oxigênio na atmosfera hostil. Esse gás foi se avolumando e criando a camada de ozônio, que filtrava a radiação ultravioleta e permitia que bactérias aeróbicas, seres unicelulares, dessem origem a organismos multicelulares, alcançassem a superfície dos oceanos e conquistassem os continentes. Em terra, os vegetais que saíram da água cresceram e acentuaram o processo de fotossíntese, retirando da atmosfera o gás carbônico e liberando o oxigênio. Estima-se que atmosfera atual tenha 21% de oxigênio em sua composição. Como se trata de um gás comburente, se o teor dele fosse menor, a vida não teria se desenvolvido tanto. Se fosse maior, o perigo de incêndios seria mais acentuado do que é atualmente. Desde seus primórdios, as atividades humanas afetam a atmosfera. O fogo produzido pelas sociedades hominídeas a partir de um milhão de anos só foi possível com a existência do oxigênio. Mas seu impacto sobre a atmosfera era pífio então. Os danos à atmosfera começaram com a invenção da agricultura e do pastoreio. As sociedades neolíticas que viviam delas usaram o fogo com mais intensidade, derrubaram florestas para abrir áreas a plantas e animais domesticados. Mas a atmosfera aguentou o tranco. Há quem já veja marcas de gás carbônico correspondente às sociedades neolíticas como a origem do aquecimento global atual. Elas não seriam levadas em conta se não fossem aumentadas pela civilização ocidental. As primeiras e as segundas civilizações também contribuíram significativamente para conspurcar a atmosfera que a natureza fabricou, mas as alterações não teriam sido notadas se não fossem adiante. Os principais fatores que contribuíram para alterar a atmosfera antes do ocidente foram o desmatamento e o fogo. A alteração significativa do ar começou com a economia de mercado e com a expansão da civilização ocidental. Esta economia vê a natureza como fonte de recursos e como lugar de descarte, ambos gerando lucros. Na fase de ascensão do ocidente, a partir da revolução industrial do século XVIII, na Inglaterra, o uso intensivo de carvão mineral como fonte de energia para a industria começou a ameaçar perigosamente o ar. A vela, que já estava sendo queimada pelas duas pontas, recebeu mais fogo. Os oceanos e a vegetação nativa, que executam a magnífica operação de produzir oxigênio e absorver gás carbônico, passaram a sofrer impactos crescentes. Os oceanos foram poluídos. Atualmente, não cumprem mais, com eficiência, o papel ecológico de absorver carbono. As florestas sofreram uma redução drástica com a derrubada e o fogo. Demorou, mas chegamos num tempo em que as mudanças climáticas começam a se tornar insofismáveis. No início, só um grupo restrito de cientistas e ambientalistas acreditava nelas. Por que o modo de produção capitalista era capaz de extinguir espécies, poluir o ar, o solo e água e não era capaz de alterar a atmosfera? Grande parte dos cientistas se mostrou cética. Adotou postura negacionista quanto às alterações climáticas assim como aqueles que repudiam a ciência. E há ainda um reduto de cientistas céticos. Os incêndios de 2019-20 na Austrália, Indonésia, Sibéria, Congo, Europa meridional, Califórnia, Amazônia, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica, Caatinga, Zona Costeira e Campos do Sul estão revelando, ano a ano, que o ar dos gregos antigos está cada vez mais quente, mais seco, mais favorável a incêndios e mais impróprio à vida. Há menos umidade nele. Abaixo de 60% de umidade, o ar afeta a saúde. Além disso, circulam no ar mais fumaça e mais fuligem. Ele também pode circular de forma violenta e provocar furacões e tufões. Acabo de ler agora a conclusão de que a economia causadora das mudanças climáticas começa a perder dinheiro com elas. Só em 2018, o aquecimento do ar causou a perda de 25 bilhões de reais no Rio Grande do Sul e no Paraná. Qual será a perda mundial em 2019-20? A reversão desta situação exigirá muito tempo para reversão ou será irreversível. Ouvir a ciência, como aconselha Greta Thunberg, não é mais suficiente embora necessário.

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