SALTO ALTO

 15 de novembro de 2017

Salto alto

Arthur Soffiati

Com os pés no chão e descalços. Foi assim que os ancestrais dos humanos desceram das árvores há sete milhões de anos, mesmo que intermitentemente. Não havia desigualdades entre eles. Apenas diferenças anatômicas e fisiológicas entre machos e fêmeas, como ainda hoje, por maior que seja o esforço para eliminá-las atualmente. Assim, a primeira divisão de trabalho entre os hominídeos parece ter sido determinada pelo dimorfismo sexual. Machos com certas tarefas. Fêmeas com outras, sobretudo o cuidado com as crias. A segunda divisão de trabalho foi a técnica: machos e fêmeas usando suas habilidades técnicas para realizarem trabalhos distintos. Desigualdades ainda não. E ambos, machos e fêmeas descalços.

Parece que algo semelhante a calçado passou a ser usado em torno de 30 mil anos antes do presente. Homens e mulheres passaram a envolver os pés em peles de animais caçados para protegê-los do frio. A diferenciação entre homens e mulheres foi se processando aos poucos e deu origem ao que hoje chamamos de gênero. O sexo é natural. O gênero é cultural. Um não anula o outro, mas se combina com o outro. Por mais que drogas e cirurgias operem alterações no sexo para adequá-lo ao gênero, mulher e homem costumam nascer com diferenciações externas e internas. Na adolescência, hormônios distintos aumentam ainda mais as diferenciações entre ambos os sexos.

As diferentes culturas caracterizaram os gêneros de forma diferenciada em todo o mundo. Algumas modelaram-nos de forma radical e cruel. Tomemos apenas o exemplo das chinesas, cujos pés eram mutilados ainda na infância. Os dedos eram dobrados para baixo, exigindo a fratura dos ossos. Para que se acostumassem ao novo formato, eles eram enfaixados. Havia sapatos de salto para as mulheres com pés-de-lótus, como eram chamados. Tânia dos Santos, em artigo publicado em “Hoje Macau”, jornal de antigo domínio português na China, informa que apenas algumas mulheres idosas ainda têm os pés mutilados (Leia aqui: https://hojemacau.com.mo/2017/06/14/pes-de-lotus/). O ocidente acabou com esse costume cruel. Mas disseminou outros.

O que está em discussão é o salto alto. Ele foi usado por homens e mulheres no ocidente no século XVIII. Aos poucos, os homens foram abandonando esse hábito, enquanto as mulheres o aperfeiçoaram. Os saltos tornaram-se cada vez mais altos. Atualmente, sapatos de salto foram disseminados em todo o mundo. Eles podem ser entendidos como um traço da globalização ocidental. Mulheres nascidas na Europa, nos países americanos, em alguns países africanos e asiáticos sabem se equilibrar sobre saltos. Pedro Tadeu, em artigo publicado no jornal português “Diário de Notícias” (ver: https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/pedro-tadeu/interior/uma-feminista-pode-usar-saltos-altos-), considera o salto alto como um símbolo da submissão feminina aos homens, além de mostrar que sapatos de salto apertam os pés, comprimem os dedos, provocam joanetes, deslocam o eixo do corpo, sobrecarregam as pontas dos pés, enfraquecem as panturrilhas e causam problemas na coluna.

Ele se pergunta se feministas não devem abolir o salto. A mulher tem opções. Existem vários tipos de sapato baixo. O que unifica pés masculinos e femininos, hoje, é a sandália de dedo. Os homens não obrigam as mulheres a calçar sapatos de salto, assim como obrigavam as mulheres a quebrar seus pés na China pré-ocidente. Talvez, como observa Pedro Tadeu, algumas empresas exijam das mulheres que calcem sapatos de salto, assim como exigem dos homens o uso de gravatas. A exigência de gravata em alguns ambientes é certa, mas gravatas não são perniciosas ao corpo humano.

Então, por que as mulheres usam sapatos de salto, mesmo sabendo que eles causam problemas anatômicos e dores? Será que elas internalizaram o machismo? Ou será por que o salto alto confere a elas elegância e feminilidade? Os homens também consideram o salto alto em mulheres muito charmoso. Cabe a elas decidir se continuam a andar no planalto ou na planície.

Pé-de-lótus das mulheres chinesas

 Salto alto, criação do ocidente hoje globalizada

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