CORPO UNIVERSAL
Saúde Press, Campos dos Goytacazes, n° 87, dezembro de 2017
Corpo universal
Arthur Soffiati
O corpo humano tem
uma estrutura universal. Ele caracteriza a espécie Homo sapiens, pertencente à
família dos hominídeos. Todos nascem com cabeça, tronco e membros, mas com
tipos físicos ligeiramente diferentes em virtude das variedades fenotípicas.
Negro, amarelo e branco são os tipos universais que podem dar origem a
mestiços. Existem também as variações familiares. Algumas famílias produzem
tipos atarracados ou longilíneos, com cor distinta de cabelo e de olhos. Até
mesmo os pigmeus, humanos de pequena estatura integram a espécie. Contudo,
todos os tipos são variações em torno de um mesmo padrão universal. Não há
tipos superiores e inferiores.
Mas é preciso
considerar as anomalias genéticas. Há deformações congênitas, que provocam
alterações no modelo básico. São muitas. Elas ocorrem em animais e no ser
humano. Poucos conhecem a aquiropodia, uma anomalia que já foi comum no
interior do Brasil, mas que está em extinção. As pessoas nascem sem mãos e pés.
Há famílias inteiras padecendo de aquiropodia. Algumas deformações foram
focalizadas em filmes, como as que aparecem em “Monstros”, de Tod Browning, de
1932, ou em “O homem elefante”, de David Lynch, tratando de um caso real.
A partir do
protótipo humano, deve-se considerar que as culturas moldam o corpo,
principalmente o corpo feminino. Os primeiros navegantes europeus que chegaram
à América ficaram impressionados com o que os nativos faziam com o corpo.
Pintavam seus corpos com tinturas fornecidas pela natureza. Os europeus
pensavam que se tratava de adorno, quando, na verdade, os desenhos tinham
significado para os ameríndios. Eles também rasgavam fendas nas orelhas e nos
lábios, onde introduziam batoques. Em muitas nações indígenas, a nudez não era
vista como imoral. Era comum encontrar homens nessas nações que enrolavam o
pênis com fibras vegetais.
Na China, os pés
femininos eram deformados para prazer dos homens. Eram os chamados pés-de-lótus,
impedidos de se desenvolverem normalmente. Eles eram enfaixados quando nascia a
menina, de modo a terem os dedos curvados para baixo e ficarem atrofiados. Os
homens gostavam de mulheres com pés-de-lótus. Eram atraentes. Na Tailândia, era
muito comum alongar o pescoço das mulheres com argolas para atrair os homens.
Na África, a própria natureza acumulava gordura nos seios e nos glúteos. É um
fenômeno denominado esteatopigia. Os europeus consideravam essas mulheres como
objeto de circo de monstros.
A ocidentalização do
mundo a partir do século XV foi acabando progressivamente com essas práticas culturais
no corpo. A globalização tem um caráter uniformizador. Assim, foi se impondo um
modelo de corpo universal à humanidade. Era preciso dar fim ao que os europeus
consideravam crueldade e aberração. Mas o padrão cultural imposto foi o
ocidental. Os missionários impuseram roupas aos nativos da África e da América.
Na China, a prática de deformar os pés femininos está se extinguindo. A esse
respeito, ver o artigo recentemente publicado em “Hoje Macau”, jornal editado
em português numa possessão portuguesa devolvida à China (https://hojemacau.com.mo/2017/06/14/pes-de-lotus/).
Se, por um lado, o
ocidente condenou o que considerava práticas bárbaras, criou outras. Hoje,
mulheres e homens são escravos do corpo. Não se trata de saúde, conquistada com
alimentação sadia e prática de esportes ou exercícios, mas de uma estética por
vezes cruel. Não se trata de cuidar dos cabelos, da pele e das unhas, e sim de
modelar o corpo com o uso de cirurgias. Homens e mulheres, em grande parte, não
estão contentes com o corpo que têm. Falo de homens e mulheres ricas ou com
renda média. Tomemos o caso de Vanessa Urach, por exemplo. Nada de pessoal
contra ela. Seu caso apenas ilustra a insatisfação com o corpo.
Antes de perseguir o
inalcançável, ela modelou seu corpo, aumentando e diminuído seios e glúteos por
inserção de botox e silicone. Não contente com o corpo em seus mínimos
detalhes, ela atacou o último rincão dele, tentando afilar dedos dos pés, como
revela a matéria contida em http://www.purepeople.com.br/noticia/antes-de-internacao-andressa-urach-iria-tirar-dedo-do-pe-para-deixa-lo-fino_a38091/1. Sua obsessão pela
perfeição quase a levou à morte. Várias outras morreram em busca de um corpo
perfeito.
Nem tanto nem tão pouco.
Por pesquisas confiáveis, sabe-se que as pessoas sofrem cada vez mais de
obesidade mórbida, por alimentação inadequada e falta de exercícios. Nesse
caso, não se trata de condenar tratamentos. Apenas nos casos de compulsão por
corpos perfeitos, deve-se chamar a atenção para os riscos que essa busca cruel
pode causar. Inclusive para os médicos que a praticam.
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