ANTIGAS FLORESTAS REGIONAIS
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 29 de agosto de 2020
Antigas florestas regionais
Imagino a chegada do capitão de
infantaria Manoel Martins do Couto Reis a Campos em 1783. Ele foi designado por
Luiz de Vasconcellos e Souza, vice-rei do Brasil, para traçar um mapa do Distrito
dos Campos Goitacás, pois que se tratava de um cartógrafo competente. Ainda
novo, ele tinha uma rica folha de serviços prestados ao governo colonial.
Creio ter sido ele o primeiro a
efetuar o reconhecimento sólido de uma região administrativa atípica. Por um
lado, os mapas antigos mostram que ela se inseria na capitania do Rio de
Janeiro. Por outro, entre 1742 e 1832, a administração da justiça em seu âmbito
ficou a cargo da capitania do Espírito Santo. Essa dupla situação gera confusão
entre os historiadores.
No relatório redigido por ele para
explicar o mapa que desenhou, o autor escreve: “Divide-se todo o Distrito dos
Campos em três sortes de terreno, todas diferentes por suas qualidades,
situação e fecundidade (...) Os dois primeiros são baixos, planos e quase no
nível do mar, um destes mais ameno por suas vistosas campinas, divididos por
pequenos bosques, rios ou pantanais...” Nesta breve descrição, ele pode estar
reunindo as duas restingas e a planície aluvial, pois fala em dois terrenos. E
continua: “O segundo terreno é de matos grossos, os quais estão em muita parte
destruídos pelo uso comum e falta de economia – herdado sem reparo e sem
contemplação – de os cortarem e queimarem quando preparam a terra para a
agricultura.”
E conclui: “... o terceiro terreno
(...) é o mais ocidental e tanto mais elevado quanto mais se aproxima das
fraldas das serras. Este é abundante de preciosas madeiras.” Num capítulo
específico, ele descreve o revestimento vegetal dos três terrenos reconhecidos:
“As terras montuosas e as que bordam as margens dos rios principais são mais
abundantes de madeiras. As terras que chamamos planas já são menos abundantes
de matos, principalmente as da margem meridional do Paraíba, compreendidas pela
barra do rio Preto e valetas, onde se edificaram muitos engenhos. Porém na
(margem) setentrional pelos Sertões das Cacimbas, há muita quantidade de
madeiras das da primeira classe e de muito uso nos arsenais.”
O cartógrafo teve a refinada
percepção de que o rio Paraíba do Sul, dividia duas províncias em seu baixo
curso: na margem esquerda, terrenos ondulados e cobertos de florestas. No mapa,
ele os nomeia de Sertão do Muriaé e Sertão das Cacimbas. Hoje, denominamos esse
terreno baixo, mas com colinas e depressões, de tabuleiros. Na margem direita
do rio, ele toma a foz do rio Preto no Paraíba do Sul como o divisor entre a
planície fluviomarinha e a zona serrana. O rio não desemboca mais no Paraíba do
Sul. Seu curso foi desviado para o rio Ururaí. Acima da foz do rio Preto,
começa a zona serrana, também coberta por densas florestas. Abaixo dela,
estende-se a planície fluviomarinha. A umidade nela era tão intensa que não
permitia o desenvolvimento de florestas. Ali, os engenhos podiam se instalar
sem o empecilho das matas.
Couto Reis enaltece a beleza das
florestas de forma utilitarista. Elas podem ser transformadas em madeiras de
lei e lenha para os engenhos principalmente. Ele escreve que fez uma relação
das árvores na página 52 do seu relatório. Essa página, infelizmente, está em
branco. Escreve também que as florestas são “dignas de um espírito
naturalista”, que ele convidou a escrever nas páginas 53 e 54, também não
encontradas.
Mas, de maneira avançada para a
época, o capitão condena a destruição da floresta por motivos supérfluos. Há
uma passagem em seu relatório repudiando o que hoje chamamos de síndrome da
inesgotabilidade. A derrubada por motivos imediatistas causa “total destruição
das melhores madeiras, pela presunção de que nunca haverá tempo em que faltem,
menos lembrados, que nem em um século se poderão renovar.” Ele está se
referindo ao corte de uma frondosa árvore apenas para colher quatro frutos ou
uma colmeia. Ou a quem joga fora toda uma árvore preciosa por ter feito cálculo
errado sobre as dimensões de que necessitava. Couto Reis já advertia sobre a
falta de madeira e de lenha futuramente pelo uso bárbaro da floresta.
No relatório, o militar cartógrafo
nomeia algumas espécies: sapucaia, jataí, jacatiá, jenipapo, guacá, cambucá,
bacupari, indaguaçu etc. Na planície “pouco crescem os matos (florestas), são
delgados, rasteiros, tortos, e pela maior parte de má qualidade, mas entre eles
nascem algumas madeiras de muita estimação, e com a circunstância de serem mais
sólidas e rijas como o pau ferro”.
Enfim, não há dúvidas, pelo relato
de Couto Reis, que existiam luxuriantes florestas na margem esquerda do Paraíba
do Sul e na zona serrana. Mesmo nas restingas, era possível encontrar madeira
de lei, como o pau ferro. Não há dúvida também de que o desmatamento era dos
mais predatórios. Se compararmos a região no século XVIII e no século XXI,
concluiremos que sua roupagem foi rasgada e que hoje ela está nua. E há quem
diga que os grandes proprietários rurais apenas se apoderaram de terras já
desmatadas por forasteiros. Os forasteiros somos nós mesmos.
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