A FOGUEIRA DE LIVROS
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 02 de setembro de 2020
A fogueira de livros
Edgar Vianna de Andrade
Em homenagem ao centenário de
nascimento de Ray Bradbury, voltei a assistir, depois de muitos anos, a
“Fahrenheit 451”, um clássico de François Truffaut produzido em 1966. O filme
toma como base para roteiro o livro de mesmo nome escrito por Ray Bradbury. O
escritor se tornou um mestre da ficção cientifica, mas, curiosamente, não
simpatizava muito com o que se denomina de progresso. Ele gostava muito dos
livros em papel, assim como Umberto Eco. Assim como Edgar, cuja biblioteca já
monta a oito mil títulos e cresce cada dia mais.
“Fahrenheit 451” é uma distopia, ou
seja, um mundo indesejável. Nele, supõe-se um Estado totalitário que proíbe livros.
Não como a Alemanha de Hitler, que temia os livros pelas ideias que eles
poderiam divulgar a fim de que elas se alojassem nas mentes e motivassem ações
contrárias ao governo. A Igreja proibiu livros e matou pessoas que
desrespeitavam essa proibição. As ditaduras militares do Brasil, da Argentina e
do Chile também abominavam os livros.
No caso de “Fahrenheit 451”, os
livros são proibidos por ameaçarem a pretensa igualdade entre as pessoas e por
lhes causar sentimentos depressivos. Existe nesse Estado totalitário que zela
pela felicidade de seus cidadãos um corpo de bombeiros que, ao contrário do que
pensamos, aprende a incendiar em vez de debelar fogo. Reina um sistema
policialesco e um clima de delação. Sempre que uma biblioteca grande ou pequena
ou mesmo um simples livro são descobertos por investigação ou delação, uma
viatura moderna dos bombeiros vai ao local descoberto, isola-o, invade-o e
busca os livros. Seus soldados aprendem a localizar livros escondidos. Quando
achados, eles são acumulados num local e incendiados. A uma temperatura de 451°
fahrenheit, o papel incandesce. Aqui, sim, existe clara alusão à Igreja, que
queimava o leitor, a Hitler, que queimava os livros e sumia com o leitor.
Montag (Oskar Werner) é um
competente oficial bombeiro em véspera de promoção. Ele é casado com Linda
(Julie Christie de cabelo comprido) e vizinho de Clarisse (Julie Christie de
cabelo curto). Ninguém sabe encontrar livros escondidos melhor que Montag.
Ninguém odeia mais os livros do que ele. Mas exatamente os fundamentalistas
podem representar um perigo potencial. Giordano Bruno integrava a Ordem dos
Dominicanos, que tinha por uma de suas atribuições definir os livros que podiam
ou não ser lidos pelos católicos. Ele acabou gostando da leitura e começou a
escrever livros perigosos. Terminou seus dias em 1600, queimado por heresia.
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