2020: O ANO PERFEITO

 Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 26 de setembro de 2020

2020: o ano perfeito

            Está na moda falar-se em tempestade perfeita. Como considerar uma tempestade perfeita? Imaginemos um evento não favorável agravado por outros fatores. Pode ser em qualquer setor. Por exemplo: a situação econômica do Brasil estava beirando o caos. Com o advento da covid-19, afundou no caos. Uma verdadeira tempestade perfeita. Não gosto de caracterizações simplificadoras. Ainda no Brasil, pensemos na conjugação crise social-governança sofrível-pandemia. Trata-se de uma combinação excelente para os especialistas taxarem-na de tempestade perfeita. Mas nada é tão perfeito que não possa se tornar mais perfeito ainda ou mais imperfeito. Se mais perfeito, pior. Se mais imperfeito, menos pior. Fica difícil uma situação perfeita tornar-se boa repentinamente, ainda mais que o imperfeito, nesse sentindo, é o melhor ou menos pior.

            Como a conjunção perfeita é sinônimo de algo muito ruim, aqueles que pensam têm desaconselhado o uso da expressão “tempestade perfeita”. Consideremos agora o mundo todo durante o ano de 2020. Em termos de combinação de fatores meteorológicos, tempestade perfeita foi usada no jornal Port Arthur News em 1936: "O serviço de meteorologia descreve a instabilidade como ‘a tempestade perfeita’ desse tipo. Sete fatores estiveram envolvidos na cadeia de circunstâncias que causaram a inundação." Adianto que me vali do Google para ninguém me acusar de plágio. No plano meteorológico, uma tempestade perfeita se forma com a combinação do ar quente de um sistema de baixa pressão vindo de uma direção, fluxo de ar frio e seco gerado por uma alta pressão de outra direção e umidade tropical causada por um furacão, por exemplo.

            Agora, combinemos informações sobre o ano de 2020. No Brasil, o ano começou embaixo de intensas chuvas, que castigaram, principalmente, o Sudeste brasileiro. Choveu forte também em outros lugares. Fiquei impressionado com a fúria das tempestades e escrevi bastante sobre elas. Mas, tão logo passaram, a população e os governantes as esqueceram. A epidemia virótica que eclodiu na China tornou-se uma pandemia e alcançou quase todo o mundo. Com ela, as autoridades do mundo ficaram confusas, enquanto outras, como nos Estados Unidos, em Belarus e no Brasil, adotaram atitude negacionista das mais retrógradas.

            A crise econômica se aprofundou em vários países. Mas as mudanças climáticas, que mostraram sua fúria no início do ano com as copiosas chuvas, mostram-se agora mais evidentes com a elevação das temperaturas nesse inverno-primavera, com o aumento das secas do solo, com a redução drástica da umidade relativa do ar, com fortes ventos e com a escassez de água nos rios e banhados. Essa combinação é altamente favorável a quem deseja apenas queimar o lixo da sua casa ou aumentar sua propriedade. O resultado é que o mundo está em chamas. A Amazônia, o Pantanal, o Cerrado, a Mata Atlântica, as florestas da Califórnia, da Galícia, da Indonésia e da Sibéria ardem como nunca se viu. O divisor de águas, se é que se pode falar em água agora, é a atitude dos governantes diante dos incêndios. O governo da Austrália no verão 2019-20 não levou muito a sério, a princípio, as queimadas que assolaram o país. O resultado foi o incêndio mais violento que o país já registrou.

            Com relação à Califórnia, as florestas foram invadidas por mansões. A secura causada pelo inverno favorece a ação do fósforo ou do isqueiro. Agora, o fogo invade as mansões. Enquanto o governador da Califórnia combate o fogo com seriedade, o presidente dos EUA não acredita que eles resultem do aquecimento global.

            A parte mais extensa da maior floresta tropical do mundo fica no interior das fronteiras do Brasil. O governo do país entende que sua soberania é absoluta e sagrada, como o território do clube do Bolinha, que se estendia da Terra à Lua. Para ele, não há nada de anormal. Os incêndios sempre ocorreram antes mesmo de o Brasil se formar, pois os povos que o habitavam antes dos europeus já usavam o fogo, que foi usado durante todo o período colonial para destruir a Mata Atlântica. Agora, está sendo empregado na Amazônia e no Pantanal. Qual o problema se o fogo sempre foi usado desde que o mundo é mundo?

            O feitiço começa a se voltar contra o feiticeiro. Não conheço agronegócio isento de pecado. Todos usaram fogo para ampliar suas terras sobre florestas e vegetação nativa de outros biomas. Esse processo continua. Suspeita-se que latifundiários estejam por trás de grande parte dos incêndios que acometem o Pantanal. Só que agora não são apenas os ambientalistas e os cientistas que protestam contra desmatamentos e queimadas, mas também os países industrializados e os poderosos fundos financeiros.

            Então, o agronegócio se divide em dois setores: os que já usaram o fogo e formaram seus latifúndios e os que ainda usam o fogo para ampliar suas terras. Os primeiros condenam os segundos, esquecendo seu passado. Contudo, do ponto de vista tático, a mudança é boa, pois fortalece ambientalistas e cientistas contra o negacionismo governamental.

            Assim, 2020 poderia ser considerado o ano perfeito. Mas, como ainda não acabou, pode ser mais aperfeiçoado.

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