UM PIONEIRO NO ESTUDO DA GLOBALIZAÇÃO
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 01 de agosto de 2020
Um pioneiro no estudo da
globalização
Ainda examinando o legado de Toynbee,
arvoro-me em dizer que ele foi pioneiro no estudo da globalização ocidental e
do que se chama atualmente de história do mundo (world history). Em 1952, ele
proferiu as conferências Reith a convite da BBC. Ele adiantava, nas
conferências, o que publicaria nos últimos quatro volumes de “Um estudo de
história”, em 1954. Reunidas, essas conferências resultaram no livro “O mundo e
o ocidente”, traduzido para o português do Brasil em 1955 (São Paulo: Companhia
Editora Nacional).
Um legítimo historiador nascido no
ocidente daria ao livro o título de “O ocidente e o mundo”, mas Toynbee
inverteu propositalmente a ordem das palavras por entender que “...o Ocidente
nunca foi a única parte importante do mundo. O ocidente não foi o único ator no
palco da história moderna, nem mesmo ao atingir o auge de seu poderio [...] no
choque entre o mundo e o Ocidente, o qual vem se verificando há quatrocentos ou
quinhentos anos, o mundo, e não o Ocidente, é a parte que, até agora, tem tido
a experiência mais significativa. Não é o Ocidente que tem sido atacado pelo
mundo; é o mundo que tem sido atacado – e atacado com violência – pelo
Ocidente.” Por isso, explica ele, o mundo vem em primeiro lugar no título do
livro.
Ele examina, então, as relações do
ocidente com as civilizações vivas no período de expansão da Europa ocidental,
ou seja, a partir do século XV. Essas civilizações não ocidentais são a Rússia
(parte da civilização cristã ortodoxa), o Islã, a Índia e o Extremo oriente
(compreendidas aqui a civilização chinesa e seus satélites japonês, coreano e
vietnamita). Num debate com o ocidente, “os russos (vão lembrar que) seu país
foi invadido, por exércitos terrestres ocidentais, em 1941, 1915, 1812, 1709 e
1610”. Acaso o leitor conhece essas invasões?
Continua ele: “os povos da África e
da Ásia lembrar-lhe-ão que os missionários, mercadores e soldados ocidentais do
além-mar vêm investindo contra os seus países, pelo mar, desde o século quinze.
Os asiáticos também lhe recordarão que, dentro desse mesmo período, os
ocidentais ficaram com o quinhão do leão das últimas terras vagas do mundo
existentes nas Américas, na Austrália, na Nova Zelândia e na África do Sul e
Oriental.”
“Os africanos recordar-lhe-ão que
foram escravizados e deportados através do Atlântico, a fim de servir colonizadores
europeus das Américas como instrumentos vivos da ambição de riqueza de seus
amos ocidentais. Os descendentes da população aborígene da América do Norte
recordar-lhe-ão que seus ancestrais foram expulsos de suas terras a fim de dar
lugar aos intrusos e aos seus escravos africanos.”
Transcrevo as palavras de Toynbee
por não saber escrever uma síntese tão eloquente. No livro, ele mostra, de
forma breve, não apenas as imposições violentas e sutis de seu domínio e de sua
cultura aos outros povos do mundo, formando, assim, o maior processo de
globalização que se conhece na história. Ele mostra também, no interior de cada
civilização, personagens que se encantaram com o ocidente ou entenderam que o
domínio ocidental parecia inevitável. São os ocidentalizadores. Aqueles que
tomaram a iniciativa de ocidentalizar suas civilizações.
Na Rússia, destaca-se a figura de
Pedro o Grande, no início do século XVIII. O projeto comunista, que tomou o
poder na Rússia czarista em 1917, foi concebido no ocidente. No mundo islâmico,
cabe destacar os nomes dos sultões Selim II e Mahmud II, além do presidente
Mustafá Kemal Ataturk, na Turquia, e Mehmed Ali Pashá, no Egito. Na Índia,
Portugal fundou Goa, uma porta para o ocidente entrar no Oriente. É bem
conhecido o esforço de Gandhi não apenas para expulsar a dominação britânica,
mas também a influência ocidental na cultura hinduísta. Esforço hercúleo e
inútil, pois seu amigo Nehru era um ardoroso admirador do ocidente e se tornou
governante do país, colocando em ação um plano de ocidentalização.
Na China, Coreia, Japão e Vietnã, os
esforços ocidentais para dominar e converter sua população ao cristianismo
resultou em fracasso nos primeiros tempos. Que se veja o filme “Silêncio”, do
cristão Martin Scorsese. Na China, a abertura para o ocidente foi feita de
forma violenta no século XIX. Ela foi forçada a se abrir para o ocidente com as
“Guerras do Ópio”, travadas pela Inglaterra no século XIX. Houve uma reação
chinesa com a “Rebelião dos Boxers”, em 1900. Em 1911, foi proclamada a
república chinesa, regime estranho àquela civilização. Mais estranho ainda foi
a Revolução Comunista, em 1949. No Japão, a Revolução Meiji, em 1867, inaugurou
a ocidentalização de Japão, a partir de pressão feita pelos Estados Unidos.
Por mais que as contribuições de
Toynbee tenham sido contestadas, vale a pena conhecê-las, ainda que
sumariamente, como um pioneiro dos estudos da globalização ocidental. Os mais
simples livros do inglês causam no leitor uma sensação de desconforto e de
ignorância, pois ele é deslocado do seu centro ocidental. Nomes e
acontecimentos jamais encontrados nos livros de história merecem dele atenção
especial.
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