Folha da Manhã, Campos dos
Goytacazes, 05 de agosto de 2020
No tempo da bomba atômica
Edgar Vianna de Andrade
De 1945, quando os Estados Unidos
encerraram a Segunda Guerra Mundial com o lançamento de duas bombas atômicas no
Japão, até 1991, com o fim da União Soviética, o principal perigo para a
humanidade foi uma guerra nuclear ou testes nucleares. Estranhei que o
intelectual norte-americano Noam Chomsky tenha listado o aquecimento global, o
esgarçamento das democracias e uma nova guerra nuclear como os três principais
problemas atuais em “Internacionalismo ou extinção”, seu mais recente livro
(São Paulo: Planeta,2020).
Durante
46 anos, uma possível guerra ou um erro nuclear gerou muitos filmes. Os mais
conhecidos são “O dia seguinte” (1983), “Missão suicida” (1964), “Herança
nuclear” (1977), “Threads” (1984) e “O jogo da guerra” (1965). Há outros.
Muitos outros.
Particularmente
um parece merecer um comentário. Trata-se de “O dia em que a Terra se
incendiou”, escrito, produzido e dirigido por Van Guest e lançado em 1961. O
mesmo nome creditado três vezes pode sugerir que nenhum estúdio importante
quisesse bancá-lo.
A
trama se passa em Londres. Fenômenos estranhos afetam a cidade. Neblina densa e
espessa, calor excessivo, chuvas, secas, incêndios. Um jornal decide investigar
a origem desse comportamento anômalo do tempo. Um repórter procura informações
meteorológicas e acaba confusamente se deparando com o serviço de informações.
Ali, faz contato com uma funcionária e a trata mal. Começa o clichê. Esses desentendimentos
se transformam em romance. Adivinha-se logo. E o romance leva em seguida o
jornalista para o apartamento da moça. É ela que lhe contará o segredo: Estados
Unidos e União Soviética realizaram testes nucleares no Ártico e no Antártico.
Por causa deles, a Terra mudou de eixo.
Os
fenômenos climáticos se agravam. Hoje, dir-se-ia que eles derivam do
aquecimento global. No filme, maquetes nada convincentes são usadas. Presume-se
um baixo orçamento para o filme em preto-e-branco. Não é possível sofisticação.
O roteirista-produtor-diretor se vale de imagens de outros filmes ou de
documentários. O confuso roteiro leva à conclusão de que a Terra saiu do seu
centro de gravidade e está sendo atraída pelo Sol. Até o momento, sabe-se que o
Sol engolirá a Terra em longínquo futuro, mas não que ele sugará o planeta.
Em
“Odisseia para além do Sol” (1969), outro filme inglês mal resolvido, uma
nave espacial é lançada em direção a um planeta idêntico à Terra, mas em órbita
que não permite ser visto por ocultar-se atrás do Sol. A direção de Robert
Parrish, desejando imitar Stanley Kubrick, é desastrada. Em “O dia em que a Terra se incendiou”, é a
própria Terra que navega para o Sol. Haverá salvação para quem “mexe com a
natureza?”. Sim, algo mais bizarro que as experiências nucleares nos polos. O
lançamento de bombas atômica na Sibéria para a Terra voltar a seu lugar no
sistema solar.
O
filme não tem a sobriedade e “A hora final” (1959), em que a humanidade termina
progressiva e melancolicamente depois de uma guerra nuclear. Carece também de
uma discussão sobre o racismo no fim do mundo, algo meio avançado para seu
tempo, como em “O diabo, a carne e o mundo”, também de 1959. Antes o simplório
“Pânico no ano zero”, um dos dois filmes dirigidos por Ray Milland, que é
também o protagonista. De 1962, o filme apenas mostra uma família constituída
de pai, mãe, filho e filha viajando para um fim de semana e sendo surpreendida
por explosões nucleares. A chamada civilização começa a se degradar, como saques,
violência, estupro e morte, mas a família mantém hábitos civilizados dentro de
uma caverna. Logo, a radiação cessa e todos podem voltar ao antigo normal. Algo
parecido com que a maioria deseja após a pandemia da covid-19: deixar o novo
normal ou o anormal para retornar ao antigo normal.
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