ENTREVISTA PARA A FOLHA DA MANHÃ – 19-08-2020
1 – Como 37% de bom e ótimo na última pesquisa Datafolha realizada nos últimos dias 11 e 12, e divulgada no dia 14, Jair Bolsonaro (sem partido) atingiu a maior aprovação popular do seu governo, com 37% de bom e ótimo. Credita isso ao auxílio-emergencial, ao sumiço do presidente do cercadinho do Alvorada após a prisão de Queiroz, ou a algum outro fator?
R. Um só fator não basta para explicar. Considero fundamental sua mudança de atitude. De incendiário, ele passou a vulcão adormecido. Digo isso porque ele pode entrar em erupção novamente. Credito a mudança primeiramente ao desejo de se reeleger. Os conselheiros são importantes. O caso Queiroz deu uma esfriada nele. Suspeito de algo mais profundo que pode comprometê-lo e à sua família. Melhor um comportamento mais moderado para esfriar o ataque adversário. Melhor deixar os apoiadores fanáticos meio órfãos por enquanto. Melhor investir no auxílio emergencial.
2 – O governo mandou a proposta de auxílio emergencial de R$ 200, que o Congresso elevou a R$ 500 e o presidente, para ter a palavra final, subiu a R$ 600. É correto afirmar que Bolsonaro atirou no que viu e acertou no que não viu? Roubou o antigo eleitor petista do Bolsa Família, sobretudo no Nordeste, que não votou no capitão em 2018? Como mantê-lo até 2020?
R. Ele não é um bom estrategista, embora militar. Mas não creio que atirou no que viu e acertou no que não viu. Ele está ouvindo mais os conselheiros. O auxílio emergencial não parece estratégia dele, mas aceita por ele por alguém mais experiente em política. Se ele tem estratégia, esta é a reeleição. As táticas parecem vir dos experientes. Convém tirar voto do PT em território inimigo. Essa é uma tática meio estranha para ele, acostumado ao confronto. Creio em outros por trás dele.
3 – Desde sua fundamentação por Bismarck no século 19, o conceito da realpolitik é analisado na academia. Sua tradução real não é esse eleitor do Bolsa Família que migrou ao auxílio emergencial? Como o Centrão, ao qual Bolsonaro sempre pertenceu como deputado e agora, como presidente, cooptou para impedir o impeachment e isolar Rodrigo Maia no Congresso?
R. Quem nasceu para Recruta Zero nunca chega a Bismarck. Bolsonaro disse que o negócio dele é matar, não salvar. Não creio que seja ele a buscar espontaneamente o apoio do Centrão, mas deste convidá-lo a votar para a casa de onde saiu e onde foi sempre um morador obscuro. É como se o Centrão dissesse: “Capitão, cala a boca e deixa que nós cuidamos”. Depois, a gente manda a conta. Ele urrou muito, mas agora está rouco.
4 – Ao tomar gosto pelo assistencialismo, Bolsonaro parece abandonar a pauta liberal que usou para se eleger em 2018. O gasto público não é realmente o mais apropriado em tempo de crise, como preconizava Keynes? Se mantido após a pandemia, por que esse resgate nacional-desenvolvimentista não redundaria mais uma vez na grave recessão das “ressacas” do “Milagre Econômico” da ditadura militar, ou da “Nova Matriz Econômica” de Dilma?
R. De fato, nota-se que Bolsonaro está se afastando da pauta liberal de Paulo Guedes, mas não está caminhando na direção de Keynes, um economista que sabia muito bem a importância do investimento público (não tanto de gasto) para salvar o capitalismo do nazi-fascismo e do comunismo, além de conquistar o apoio popular. O descuido com a pauta neoliberal de Guedes parece patente, mas não estratégica e sim tática. Essa postura pode levar o país à bancarrota numa perspectiva de médio prazo. Mas, para fins eleitorais em curto prazo, parece o caminho que ele deseja trilhar, contrariando promessas de campanha. A realpolitik dele é míope.
5 – Bolsonaro apostou no negacionismo da Covid-19, que chamou de “gripezinha”. E já matou mais de 107 mil brasileiros, marca superada no mundo apenas pelos EUA governados por Donald Trump, em quem se espelha. “Às favas com os escrúpulos de consciência”, como o ex-ministro Jarbas Passarinho ao assinar o AI-5, R$ 600,00 é o preço político dessas vidas?
R. Bolsonaro é muito canhestro para lidar com situações inesperadas. Como disse, é um péssimo estrategista. Nasceu para ser comandado, não para comandar. Está sendo um péssimo comandante na guerra contra a Covid-19 tantos em palavras como em atos. Ele falou o quis. Foi desumano e cruel. Continua sendo. Aconselhado a mudar, ele não sabe como. É completamente desajeitado com os pronunciamentos. A pandemia mostrou seus limites como chefe de uma nação. Se o auxílio emergencial melhorou sua imagem é porque a maioria da população brasileira é carente. Falta a ela educação política. Assim, o pouco se torna muito.
6 – Pelo Datafolha, os 37% de Bolsonaro são superiores aos 30% de ótimo e bom de FHC em junho de 1996 e aos 35% de Lula, em agosto de 2014. Mas é inferior aos 62% de Dilma em agosto de 2012. Com base no que hoje sabemos, o que esperar da fotografia do momento para o futuro? E é irônico ver os bolsonaristas divulgando a Datafolha nas redes sociais?
R. Os bolsonaristas rejeitam pesquisas de opinião pública, se elas mostram o que lhes desagrada, mas, como todo político de esquerda, centro e direita, divulgam-no com caixa de ressonância, caso elas sejam favoráveis. Dilma conseguiu 62% e acabou impedida de governar. Ainda ressoam em mim as palavras de sabedoria da velha raposa política Manoel Gonçalves: “eleitor é velhaco”. Não se deve surfar na onda dos bons resultados. Eles podem mudar rapidamente. Enfim, apesar da mudança, ainda vejo que o rei está nu por baixo de um roupão roto.
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