ENTREVISTA PARA A FOLHA DA MANHÃ – 11/07/2020

ENTREVISTA PARA A FOLHA DA MANHÃ – 11/07/2020 1 – Feita após a prisão de Fabrício Queiroz, a pesquisa Datafolha feita entre 23 e 24 de junho, indica que Jair Bolsonaro ainda mantém 30% de aprovação popular. A que você credita isso? Podemos reconhecer dois grupos que apoiaram Bolsonaro na eleição de 2018: o núcleo duro, apoiador da família Bolsonaro em qualquer circunstância, e os que o apoiaram por descontentamento com os governos anteriores e com os casos de corrupção. Esses 30% são formados pelo núcleo duro e fanático, que considera Bolsonaro um mito e não dá mostras de retirar seu apoio a ele, mesmo que ele se envolva em grande escândalo de corrupção. Há também um pequeno grupo que está se beneficiando de auxílio emergencial. Os outros já se decepcionaram. Creio que não votariam nele, caso se recandidate. 2 – O Datafolha também apontou que Bolsonaro tem 44% de rejeição. É o pior índice de um presidente com um ano e meio de gestão durante a redemocratização do país, superando Fernando Collor de Mello, que bateu 41% de rejeição com um ano e cinco meses no poder. Como entender a avaliação popular nas suas duas pontas? Digamos que 20% apoiam Bolsonaro incondicionalmente. 10% o apoiam por conveniência. Nos 44% de rejeição, estão incluídos os que nunca o apoiaram e que perceberam com mais clareza suas deficiências, bem como aqueles que votaram nele e se arrependeram. Em momento algum, ele demonstrou capacidade de governar. Trata-se de um desastrado, de um trapalhão. A República, que eu saiba, nunca conheceu um presidente com o perfil dele. Creio que a alta rejeição decorre daí. 3 – Segundo a pesquisa, a perda de apoio do presidente entre as classes média e alta foi substituída pelo seu crescimento junto à parcela mais pobre da população. Hoje, metade dos que consideram o governo bom ou ótimo ganham até dois salários mínimos. Como você vê? Por mais prisioneiro que Bolsonaro seja dos apoiadores fundamentalistas e por mais obtuso que ele seja, já é possível perceber que não existem condições objetivas para um golpe com apoio das forças armadas. A grande imprensa faz-lhe uma crítica cerrada e a conjuntura internacional não é mais favorável a ditaduras, embora exista uma tendência conservadora e retrógrada no mundo. Daí, Bolsonaro estar se voltando para o centrão e praticando uma política populista junto ao eleitorado pobre, sobretudo o nordestino, onde ele não conta com o apoio dos governadores. 4 – Diretor do Datafolha, Mauro Paulino explicou que tanto nas pesquisas de maio, quanto de junho, um terço dos 30% que hoje apoiam o presidente não votaram nele em 2018. E, entre estes 10%, a maioria recebia o auxílio emergencial de R$ 600. Será o novo caminho para o bolsonarismo, como foi o Bolsa Família para o PT? Por quê? Sim, creio que Bolsonaro está percebendo com dificuldade o quão difícil é romper em pouco tempo com o presidencialismo de coalização. Podemos imaginar que ele perdeu 10% de apoiadores por decepção, recuperando sua base com não apoiadores que se sentem beneficiados com a política de auxílio emergencial e outras vantagens. Mas é sempre perigoso contar com eleitores pobres. Eles não agem por ideologia. O apoio pode ser retirado a qualquer momento. 5 – A perda de apoio do presidente entre as classes média e alta que votaram majoritariamente nele em 2018, teria começado com a saída do ex-ministro Sérgio Moro do governo. E se intensificado com o inquérito das fake news, a prisão de Queiroz e o avanço das investigações da “rachadinha” do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), quando deputado estadual do RJ. Como analisa essa perda dessa bandeira moralista da luta contra a corrupção? De fato, a saída de Sérgio Moro desagradou parte do eleitorado dele, já que o juiz era um símbolo da luta contra a corrupção e contra o crime organizado. Em campanha, é fácil defender programas inviáveis, por mais convincentes que eles possam ser. No exercício do governo, as dificuldades começam a aparecer. Não apenas elas, mas descobertas que não mereceriam muita atenção pública caso se referissem a políticos do baixo clero. Parecia que a família Bolsonaro era formada por santos incorruptíveis. Mas, uma vez em evidência, os trastes jogados no porão começam a aparecer. Como combater a corrupção e o crime organizado se aparecem cada vez mais indícios de que família Bolsonaro tem envolvimentos com ambas? 6 – Outro fator de perda de apoio de Bolsonaro, sobretudo entre as mulheres, é sua condução da crise da pandemia da Covid-19, alvo de reprovação em todo o mundo. Como viu agora seu anúncio de que testou positivo para a doença, bem como os desejos de morte que lhe destinaram parte dos seus opositores? E a possibilidade do presidente do Brasil ser processado por crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional de Haia? Antes mesmo de chegar à presidência, Jair Bolsonaro era abominado pelas mulheres politizadas e militantes do movimento feminista. Os filhos também, embora existam mulheres que apoiem toda a família de maneira aparentemente contraditória. Já com relação à pandemia da Covid-19, Bolsonaro vem revelando ser o mais irresponsável, incompetente e cruel chefe de Estado. Nem mesmo contaminado, ele adota postura condizente com, até aqui, a maior pandemia do século XXI. Venho lendo artigos de autores que desejam expressamente a morte do presidente. Seu comportamento contém mesmo fortes elementos para ser processado por crimes contra a humanidade. Essa prova de fogo que ele não está sabendo ou querendo enfrentar vem lhe roubando apoio, como se viu na fala de uma mulher que o apoiava e que ele mandou sair de sua presença. 7 – Jornalista e secretário do governo Flávio Dino (PC do B) no Maranhão, Ricardo Capelli denunciou que o lulopetismo cobra da esquerda na oposição coisas que não fez como governo. Lembrou que o PT escolheu Michel Temer (MDB) duas vezes como vice de Dilma Rousseff, que teve o liberal Joaquim Levy como ministro da Fazenda. E que liberal é Henrique Meirelles (MDB), presidente do Banco Central nos dois governos Lula. Capelli está certo: o PT prefere perder as eleições presidenciais de 2022 a perder a hegemonia da esquerda? Até ser preso e por algum tempo depois, Lula motivou fortes mobilizações de apoiadores. Ao sair da cadeia, ele não encontrou seu novo lugar. Lula sempre foi personalista e vaidoso. Fez alianças com todas as tendências políticas. Buscou até mesmo o apoio de Maluf para a eleição de Haddad ao governo de São Paulo. De fato, a esquerda mais consequente tem razão ao entender que Lula, nesse momento, mais atrapalha que ajuda. Há, no PT, integrantes intransigentes que não aceitam alianças nem diante de uma guerra do país. Lula aceita alianças depois de conquistar a presidência. Não antes. Ricardo Capelli está certo. 8 – Não integrar a Frente Democrática com os ex-ministros Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), é reflexo do personalismo do projeto lulopetista? Ciro está certo ao culpar Lula e o PT pela ascensão de Bolsonaro? Já tive oportunidade de expressar minha opinião aqui mesmo na Folha sobre a responsabilidade de Lula e dos radicais do PT (penso em Gleisi Hoffmann e em Lindbergh Faria) na vitória de Bolsonaro em 2018. As alianças e os acordos que Lula fez em seus dois mandatos e que deixou como herança para Dilma Roussef nos dois seguintes foram os principais alvos de Jair Bolsonaro. Se Lula e Dilma não se corromperam, não há dúvidas que deixaram a corrupção correr com bastante liberdade. Ele fez alianças em baixo e em cima, algo meio parecido com Getúlio Vargas, mas com menos competência. Uma aliança com as forças democráticas para derrotar Bolsonaro é fundamental. Vejo os progressistas não-petistas com discursos renovadores (fiquei muito bem impressionado com o discurso de Flávio Dino), enquanto vejo Lula desaparecendo. Creio que o tempo dele já passou. 9 – Condenado em 2ª instância em dois processos da Lava Jato, e réu em outras cinco ações penais, Lula está livre, mas impedido de concorrer pela Lei da Ficha Limpa que aprovou quando presidente. Ele terá condições legais de um dia voltar a disputar mandato? Saiu da prisão maior ou menor do que entrou? E Moro, seu algoz, do governo Bolsonaro? Continuando o raciocínio da resposta anterior, sem dúvida Lula sai muito menor do que entrou. Essa deve ser uma lição para todo político. Glórias nunca são eternas nem inesgotáveis. Bolsonaro pode ter esse destino. Como disse, entendo que a era Lula passou melancolicamente. Quanto a Moro, já ouvi alguém dizer que ele é o candidato dos Estados Unidos. Perguntei de qual: dos Republicanos ou dos Democratas? Mas também não creio que ele tenha perfil de político de mandato. Noto que ele procura não sair do noticiário. Mesmo assim, entendo que suas chances são poucas para o cargo de presidente. Depois de deixar o Judiciário coberto de glórias por muitos, creio que ele saiu menor do cargo de juiz, embora tenha saído maior do cargo de ministro. Ele pode pleitear com sucesso um mandato no Congresso, mas não creio que saia bem como candidato à presidência da República. 10 – Ninguém à direita ou à esquerda, no Brasil ou no mundo que nos acompanha, crê que Bolsonaro se elegesse presidente em 2018, sem que Donald Trump o tivesse feito antes nos EUA, em 2016. Se o moderado Joe Biden vencer as eleições presidenciais de lá, em 3 de novembro, como indicam as pesquisas até aqui, o eixo político do mundo migrará ao centro? Não basta eu entender que o melhor caminho para o mundo é a socialdemocracia e o Estado de bem-estar social. Mais uma vez, precisamos analisar as tendências. Não resta dúvida de que o nacionalismo e as correntes de direita varrem o mundo ocidental no seu núcleo. Algumas experiências da nova direita já foram feitas, como na Itália, na Hungria, nos Estados Unidos e no Brasil. Não coloco entre eles os nomes de Putin e de Erdogan, pois eles representam um autoritarismo antigo. As experiências da nova direita não têm sido bem-sucedidas. Na Áustria e na Grã-Bretanha, os premiers integram a nova direita e estão sendo obrigados a ir para o centro. Creio que a pandemia abre um campo para a centro-esquerda. Se Biden vencer as eleições nos Estados Unidos, aposto no renascimento do centro e centro-esquerda, como na Alemanha, França, Espanha e Portugal. Bolsonaro já manifestou sua preocupação com a vitória de Biden. 11 – Quando o socialista Bernie Sanders ainda tinha chances nas primárias democratas a presidente dos EUA, o filósofo da USP Vladimir Safatle, que já tinha causado grande impacto com o artigo “Como a esquerda brasileira morreu”, disse em entrevista ao jornalista Mario Sergio Conti identificar elementos “revolucionários” tanto no projeto de governo de Sanders, quanto no governo Bolsonaro. No sentido de que, mesmo em espectros políticos opostos, ambos tentavam romper com o status quo, ao qual o PT aderiu no poder. Como você vê? De fato, ambos representam uma contestação ao status quo de centro-esquerda. Bolsonaro faz esta contestação em nome da direita inculta, como a classificou Delfim Neto, e Sanders em nome de uma esquerda estranha aos Estados Unidos. Com as devidas diferenças, algo como Mussolini e Lênin. Ou bem ou mal, Bolsonaro está enfrentando resistências do Congresso, do Supremo Tribunal Federal, dos governadores e prefeitos. Sendo voluntarista, ele acreditou poder governar ser resistências. Sanders tem apoio dos jovens, mas quem define os limites é a realidade. Safatle me parece desejar uma esquerda pura, como a de Sanders. Tudo bem. A questão é saber se ele tem condições de se eleger. A propósito, li uma reportagem sobre um documentário a respeito da Libelu, movimento estudantil contra a ditadura de 1964. E fiquei sabendo que Antonio Palocci, Reinaldo Azevedo, Miriam Leitão e Demétrio Magnoli fizeram parte dele. Eu era voluntarista na minha juventude, mas não mudei radicalmente de posição como eles. Essas mudanças profundas me impressionam muito. 12 – Como vê a ameaça a cada dia mais séria de impeachment do governador Wilson Witzel (PSC), fenômeno eleitoral de 2018 na esteira do bolsonarismo? E quais suas perspectivas para as eleições a prefeito de Campos em 15 de novembro? Witzel surfou na onda dos esquemas de corrupção do casal Garotinho, de Sérgio Cabral e de Pezão. Nunca percebi estofo nele para governar o Estado. Quero mudanças profundas, mas não sou ingênuo a ponto de pensar que elas ocorrem da noite para o dia. Witzel parece um ídolo com pés de barro. Vejamos se ele tem poder de manobra para evitar um processo de impeachment por uma Assembleia formada por raposas velhas. Confesso que a pergunta mais embaraçosa para mim diz respeito ao futuro do município. Não consigo avaliar as possibilidades de tantos candidatos desprovidos de condições para governar. Sei que os discursos são necessários, mas estou cansado deles.

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