SECA E FOGO NAS PRAIAS DE CAMPOS
Complexus, 21 de agosto de 2020
Seca e fogo nas praias
de Campos
Arthur Soffiati
A economia de mercado vem
mudando a atmosfera dos últimos dez mil anos, lançando nela gases que estão
elevando as temperaturas médias do planeta. O principal gás é o carbônico, mas
não o único. As mudanças climáticas estão afetando a antiga normalidade
meteorológica. Nos meses de chuva, pode chover mais do que o normal. Nos meses
de estiagem, a secura pode aumentar. A umidade relativa do ar se reduz mais
ainda. As chuvas torrenciais fustigam campos e cidades. Ventos fortíssimos
podem arrasar centros urbanos, como se observa em Santa Catarina. Furacões e
tufões impetuosos se tornam mais frequentes.
Quem perde com tais mudanças? As
pessoas e a economia. Exatamente as pessoas que adotaram um comportamento
destruidor da natureza impelidos por uma economia que deseja transformar tudo
em produto para auferir lucros. Tudo é dinheiro. Poluir a baía de Guanabara é
econômico por não exigir o tratamento do esgoto e a destinação apropriada do
lixo. Despoluir a baía também gera lucro.
Derrubar grandes parcelas da
floresta amazônica pode gerar lucro de duas maneiras: vendendo-se a madeira obtida
e transformando-se a área desmatada em pastos. É um lucro mesquinho e
imediatista porque a redução da Amazônia provoca prejuízos imensos dentro e
fora dela. Mas os desmatadores parecem estar de olho apenas no que está no solo
e no subsolo da Amazônia: terras para transformar em pastagens e buracos para
encontrar minérios.
A Amazônia se autoalimenta. Ela produz o seu adubo com as folhas mortas e as chuvas que a umidificam. Em vários ambientes, o fogo faz parte do ciclo ecológico, como no Cerrado, por exemplo. Na Amazônia não. Lá, não há combustão espontânea porque a umidade da floresta não permite. Assim, o fogo na Amazônia é sempre criminoso. Ele só existe porque desmatadores abrem clareiras na floresta, deixam os troncos secarem e ateiam fogo neles.
Incêndio na Amazônia
A destruição da Amazônia não
traz desequilíbrios apenas para a grande floresta. Todo o cone sul do
continente sul-americano é um presente da Amazônia. A floresta absorve água das
chuvas que provém de nuvens formadas sobre o oceano Atlântico e empurradas para
o continente. A grande mata produz a evaporação da água recebida do Atlântico,
gerando novas nuvens. Os ventos as empurram em direção à cordilheira dos Andes,
onde elas esbarram e são desviadas para o sul. Os cientistas chamam esse grande
volume de água acumulado em nuvens de rios voadores. A Amazônia produz chuvas
para a Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, Uruguai e parte da Argentina. Também
abastece os rios das regiões Sudeste e Sul do Brasil. Sem a Amazônia, o Sudeste
e o Sul seriam um deserto. Para comprovar, que o leitor acompanhe com o dedo o
paralelo 24° sul. Ele encontrará os desertos de Atacama, de Kalahari e da
Austrália. Entre o primeiro e o segundo, encontrará a região Sudeste do Brasil.
Ela só não é um deserto por conta dos rios voadores provenientes da Amazônia.
Mas a destruição da grande
floresta está mudando outros ambientes. Os incêndios que assolam o Pantanal
Matogrossense são os mais inclementes desde que as medições meteorológicas passaram
a ser feitas. O maior banhado do mundo está sofrendo com a seca e os incêndios.
A maioria é criminoso. O abastecimento dos rios do Sudeste e do Sul também está
comprometido pelas chuvas irregulares. As mudanças climáticas estão trazendo
prejuízos para o agronegócio do Cerrado, o mesmo agronegócio que produziu
desmatamento. Agora, existe uma pressão internacional em favor da Amazônia. Não
mais vinda de cientistas e ambientalistas apenas, mas também – pasmem – dos
fundos financeiros internacionais. Os mesmos que financiaram o desmatamento e
agora mudam de posição por pressão de seus investidores.
Incêndio no Pantanal
No Sudeste e parte do Sul,
existia antigamente a Mata Atlântica, que se estendia para o Nordeste. Essa
mata também conservava água. Na Baixada Campista, as florestas não cresciam
pela excessiva umidade. Existiam muitas lagoas. Elas também colaboravam para
manter o ambiente mais úmido. Mais de 90% das lagoas e da Mata Atlântica foram
destruídos. Era para vivermos numa região desértica se não fosse a Amazônia,
que já está demonstrando cansaço e não está nos abastecendo como antes em
termos de chuvas. As mudanças climáticas também provocam chuvas torrenciais,
como as que se precipitaram no verão de 2020, e secas bíblicas, como a que
vivemos em 2015-16 e em 2020.
Queimada de canavial
Com a vegetação seca, fica fácil
o trabalho dos incendiários. Na zona canavieira de Campos e São Francisco de
Itabapoana, as queimadas de cana na época das colheitas passas para outras
formas de vegetação. Em Campos, mais de uma vez, o fogo proposital ateado em
canaviais passou para o tufo de Mata Atlântica do Morro do Itaoca e até mesmo
para o que resta de floresta no Imbé.
Morro do Itaoca depois de incêndio
Em São Francisco de Itabapoana,
o fogo proposital ateado em canaviais para facilitar o corte e também para a
limpeza de pastos não só destrói a vida que confere fertilidade ao solo, como
afeta animais silvestres que ainda existem, sempre ameaçando o que restou de
mata no município, hoje protegida pela Estação Estadual de Guaxindiba.
Fogo em Guaxindiba
O fogo está ameaçando o Farol de
São Tomé e Xexé, as duas praias de Campos. Como se sabe, elas receberam o
plantio intensivo de amendoeiras, coqueiros e casuarinas. As duas primeiras espécies
não resistiram ao vento a ao ar salino da costa campista. Restaram apenas as
casuarinas porque suas folhas são finas, em forma de fio, mostrando uma forte
resistência ao vento e à salinidade. A concentração maior dessa árvore ocorre
em Xexé. Ela é natural da Austrália.
Suas folhas finas, ao caírem,
acumulam-se no chão como uma palha. Com a estiagem intensa que a região sudeste
enfrenta, qualquer fósforo desencadeia fogo destruidor e criminoso. Há
informações de que esses incêndios são propositais, em protesto por Xexé ter
sido incluído no Parque Estadual da Lagoa do Açu. Não importa a motivação. Fogo
provocado intencionalmente é crime. Ele atinge a vegetação nativa de praia, com
porte rasteiro, e ameaça residências próximas.
Fogo em casuarinas
Mas a estiagem está provocando
atentados piores. Entre Xexé e Farol, existe uma amostra rica e demonstrativa
de vegetação herbácea e arbustiva de restinga. Ela é natural e está adaptada
aos ventos. Na parte mais próxima do mar, os ventos não deixam que as plantas
assumam porte maior. Daí as espécies, nessa primeira faixa, serem herbáceas.
Essas plantas rasteiras reduzem a velocidade do vento e permitem que espécies
arbustivas, de porte maior, possam crescer na segunda faixa. Entrando mais na
restinga, ainda é possível encontrar espécies arbóreas. Essa amostra de restinga
deveria ter sido incorporada ao Parque em vez de Xexé, que já está urbanizado.
A seca de 2020 se mostra tão
inclemente que está afetando a vegetação desse trecho de restinga. Então, os
incendiários simplesmente ateiam fogo à vegetação ressecada. A população
costuma também jogar lixo na vegetação nativa, sobretudo nas suas bordas.
Depois ateiam fogo ao lixo. Esse fogo se alastra e provoca incêndios. Sei que
os incendiários conhecem os danos provocados pelo fogo no solo, na vegetação,
na fauna e na atmosfera. Sabem também que o uso de fogo é crime. Além do mais,
o que não devem saber, é que o fogo contribui em escalas distintas para o
acúmulo de gases do efeito-estufa. Em vez de essas pessoas ajudarem na
construção de um mundo melhor, deixam sua contribuição para um mundo pior com o
uso do fogo. Não apenas para o solo, a flora e a fauna, mas para os humanos,
para seus descendentes.
Vegetação nativa de restinga queimada por fogo criminoso
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