REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA VII: 1- AMÉRICA DO NORTE (ESQUIMÓS)
Complexus, Campos dos Goytazes,
01 de julho de 2020
Reflexões sobre a história VII: 1-
América do Norte (esquimós)
Arthur Soffiati
A América foi o último continente a
ser povoado pelo “Homo sapiens”. Por mais que os achados arqueológicos levantem
dúvidas sobre a origem dos primeiros humanos no continente americano, a tese de
que ele tenha alcançado o novo mundo pelo extremo norte, no fim do Pleistoceno,
é ainda a mais consistente. Com o rebaixamento do nível do mar na última
glaciação, formou-se uma ponte natural entre Ásia e América pela qual passaram
a pé os imigrantes asiáticos. Aventa-se que o deslocamento de um continente para
o outro poderia ter sido feito também por navegação. As duas hipóteses podem
ser combinadas: a migração se efetuou por terra e por mar.
Distribuição das culturas esquimóes
A cultura dos primeiros grupos
humanos a alcançarem a América caracteriza-se como paleolítica adaptada aos
ambientes extremamente frios do círculo polar ártico. Assim, os primeiros
habitantes da América não precisaram criar culturas apropriadas ao gelo e à
neve. Eles já a haviam desenvolvido na Sibéria. A colonização da América
começou, pois, com povos que seriam conhecidos no futuro com o nome genérico de
esquimós.
Estatuetas masculina e feminina da cultura Ipiutak
A partir do círculo polar ártico
americano, as áreas ao sul foram sendo colonizadas. Os grupos humanos foram
desenvolvendo culturas adaptadas aos mais diversos ambientes. A origem dos
povos americanos situa-se, portanto, nos esquimós. Há quem considere,
atualmente, que os esquimós não se limitam ao círculo polar ártico americano,
mas a todas às áreas polares da Ásia e da Europa. Essa discussão não cabe nos
limites desse artigo.
Máscara e foca - cultura Ipiutak
A grande cultura esquimó apresenta
variações no tempo e no espaço. No tempo, ela tem sua origem em culturas
paleolíticas que avançaram para o neolítico e tangenciaram a civilização.
Trata-se de uma história completa. No geral, a atividade econômica das culturas
esquimós apoiava-se na coleta, na pesca e na caça. A ausência de agricultura se
explica pela inexistência de terrenos apropriados para o seu desenvolvimento em
grandes extensões geladas. Mas as culturas esquimós alcançaram alto nível
tecnológico no desenvolvimento da economia coletora, pesqueira e caçadora.
Essas atividades são típicas de uma economia paleolítica, mas, sobre elas, as
culturas esquimós domesticam o cão, talvez o primeiro animal a ser domesticado
pela humanidade, ainda antes das primeiras culturas neolíticas.
Ferramentas da cultura Ipiutak
Máscara da cultura Ipiutak
Para viver em temperaturas
extremamente baixas, os esquimós desenvolveram embarcações fabricadas com
madeira e couro animal. São os conhecidos caiaques, canoas para um a três
remadores, e os umiaks, botes coletivos. Para circular em áreas geladas, essas
culturas inventaram o trenó puxado por matilhas. Para pescar e caçar, foram
desenvolvidas armas aprimoradas feitas com pedra, madeira, marfim e osso. Para
proteção do corpo ao frio intenso, foram inventadas roupas de pele, conhecidas
e adotadas no ocidente posteriormente. São as parcas e os anoraks. Os mocassins
e botas feitos de pele animal eram apropriados para ambiente gelado. Para
proteção dos olhos contra a forte irradiação luminosa, as culturas esquimós
inventaram óculos especiais. As habitações provisórias nos deslocamentos em
busca de pescados e caça eram feitas com blocos de gelo. Tratava-se dos iglus.
Ferramentas da cultura Thule
Mas as culturas esquimós não se
limitam a esses equipamentos para viver no gelo. Elas também desenvolveram a
cerâmica. Pode-se perguntar de onde provinha a argila em ambiente gelado.
Deve-se considerar que, no círculo polar artigo, existem estações. O verão pode
ser curto e brando, mas derrete grande parte do gelo e deixa expostos solos de
onde se pode obter argila para a fabricação de objetos cerâmicos; pedra para a
fabricação de utensílios e construção arquitetônica e madeira obtida nos
bosques frios.
Pente da cultura Thule
A
cultura Ipiutak, por exemplo, construiu aldeias. Uma delas causaria inveja a
qualquer cidade das primeiras civilizações euroasiáticas. Estima-se que ela
contasse com 800 casas distribuídas em cinco largas avenidas. Nela, foram
encontrados objetos que sugerem uma ligação direta com os citas das estepes da
Ásia central e da Sibéria. Acredita-se que esta cultura, no mar de Bering,
tenha mantido contatos comerciais íntimos com a civilização chinesa. Uma cidade
com 800 casas é indício de uma grande população. Essa cidade situava-se na zona
costeira e devia ser habitada no verão, quando se praticava a pesca e a caça
marinhas. No inverno, elas eram fechadas, com seus habitantes construindo
acampamentos provisórios para a caça da foca, da morsa e do caribu.
Estatuetas masculinas da cultura Thule
O mais surpreendente foi o
encontro de objetos de ferro nas culturas esquimós próximas à Ásia, sugerindo
contatos com a China e com a Coreia. Havia a prática piedosa de eliminação dos
idosos por um filho. Não se pode classificar essa eliminação como parricídio. Ela
tinha caráter ritual. Há vários indícios de culto religioso elaborado, com
centros cerimoniais e cemitérios. Certos achados sugerem estratificação social.
A cultura Thule, na Groenlândia,
em sua última fase, no século XIII da era cristã, revela contatos frequentes e
prolongados com povos escandinavos, que chegaram à América do Norte no século
X, bem antes, portanto, que os espanhóis. A oeste, a cultura esquimó manteve
contatos com a China e com a Coreia. A leste, com escandinavos.
Como se pode caracterizar a
cultura esquimó em seu todo? Sua economia era fundamentalmente paleolítica, com
base na coleta, na pesca e na caça. Mas a presença de artefatos cerâmicos
poderia situá-la no neolítico. Mais ainda, o desenvolvimento de aldeias do
porte de cidades, com casas construídas com pedra e madeira, poderia
caracterizá-la como civilização. Daí propormos que os limites entre os três
estágios da história humana são sutis. Melhor caracterizar cada estágio mais
pelo que ele não tem do que pelo que tem. O paleolítico clássico não tem
cerâmica nem agricultura. O neolítico clássico tem agricultura, pastoreio,
cerâmica, metalurgia e aldeias, mas desconhece a escrita e as cidades. A
civilização tem cidades e sistemas de escrita facultativos, desenvolvendo mais
ainda a agricultura, o pastoreio, a cerâmica, a metalurgia, a tecelagem e ainda
praticando a coleta, a pesca e a caça em suas margens. Ainda hoje,
desenvolvemos atividades paleolíticas na periferia.
Casa semi-subterrânea da cultura Thule
Como sugestão de ilustração,
indicamos os filmes “Nanook, o esquimó”, documentário dirigido pelo famoso antropólogo
e cineasta Robert Flaherty em 1922; “Os lobos nunca choram, de 1983, dirigido
por Carroll Ballard; e o romance de ação “Em terreno selvagem”, de 1994, com direção
de Steven Seagal.
Casas esquimós: gelo e pele
Trenó e estatuetas de animais - cultura esquimó
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