RACISMO NO FIM DO MUNDO


Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 30 de junho de 2020
Racismo no fim do mundo
Edgar Vianna de Andrade
            Enquanto um técnico examina um vazamento ocorrido numa mina, ela desaba e o aprisiona. Ele pede socorro, mas não obtém resposta. É que o mundo acabou, varrido por uma nuvem nuclear que mata toda a humanidade. A duras penas, o técnico consegue chegar à superfície e não encontra ninguém. Então, ele se dirige a Nova Iorque e encontra a cidade desolada. A fotografia em preto e branco é magnífica. Ela se parece à de “Manhatta”, documentário de dez minutos feito por Charles Sheeler em 1921 e que tornou célebre. Uma grande cidade completamente deserta nos parece uma paisagem inusitada.
            O homem que vaga à procura de alguém é negro (Harry Belafonte). Logo a seguir, aparece uma mulher loura (Inger Stevens). Ela teme o homem, mas eles acabam se encontrando. Este é o princípio do filme “O diabo, a carne e o mundo”, de 1959 e com direção de Ranald MacDougall, já listado por mim em outro comentário (Cidades desertas). Talvez o diabo seja a tentação sexual. A carne é o sexo que transpira de dois jovens sozinhos no mundo. Ela tem 21 anos. Não se sabe a idade dele, mas também é jovem. O mundo está vazio. O casal é uma versão de Adão e Eva no século XX.
            A mulher loura e bonita de 21 anos exclama com desespero: “E agora, sou uma jovem condenada a não me casar por falta de homem!” O racismo aflora implícito. Ali está o homem, mas ele é negro e fica magoado com a mulher. Embora estejamos no fim de um mundo e no começo de outro, as duas pessoas agem como se a realidade continuasse a mesma. Para se perpetuar, a humanidade depende daquele casal. Não cabe nenhum preconceito racial.
            Então é introduzido um complicador: aparece um homem branco, jovem é bonito, também sobrevivente da hecatombe. Estabelece-se uma competição entre o branco e o negro pela mulher que chega ao extremo de matar ou morrer. Algo raro na época do filme aparece: o negro tem bom caráter e renuncia à mulher. O branco é agressivo. Um verdadeiro caubói que se revela violento e meio racista.
            O impasse está criado. Quem vencer ficará com a mulher. É o troféu. Existe também a questão do machismo. Mas ela percebe que não é o momento para disputá-la. Afinal, a humanidade aparentemente está resumida a três representantes dela. Convém que dois machos fecundem a fêmea para o mundo recomeçar. Ela pacifica os ânimos e fica com os dois, insinuando que, naquelas condições, não há lugar para racismo e sentimentalismos. Afinal, os três estão livres de convenções. Nenhum ritual é necessário. O sêmen do negro fecunda o óvulo da mulher loura tanto quanto o do branco.

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