NASCER OU NÃO NASCER NUM MUNDO APOCALÍPTICO
Folha da Manhã, Campos dos
Goytacazes, 22 de julho de 2020
Nascer ou não nascer num mundo
apocalíptico
Edgar Vianna de Andrade
Recentemente, revi dois filmes que
podem ser comparados. O primeiro se intitula “É proibido procriar”, dirigido
por Michael Campus e lançado em 1972. A principal personagem é representada por
Geraldine Chaplin. O segundo é “A decadência de uma espécie”, de Volker
Schlöndorff, lançado em 1990. Trata-se da primeira adaptação para o cinema de
“O conto da aia”, de Margaret Atwood.
Os dois retratam um futuro distópico.
No primeiro, a população mundial cresceu de tal maneira que os recursos não
mais podem atender às demandas da humanidade. Trata-se de um filme com forte
marca neomalthusiana. Enquanto o malthusianismo clássico demonstrava que a
produção de alimentos não poderia atender às necessidades da humanidade por
esta crescer em progressão geométrica e aquela em progressão aritmética, o
neomalthusianismo observa que os recursos naturais são finitos e não poderão
atender a uma demanda capitalista da humanidade no futuro.
Futuros distópicos relacionados à
crise ambiental começam a se tornar frequentes a partir da década de 1970. “É
proibido procriar” foi lançado no ano da Conferência de Estocolmo, o marco
inaugural da questão ambiental. Nele, o futuro aparece sombrio. As pessoas se
movimentam em meio a um espaço público enfumaçado e poluído. A alimentação é
racionada. As pessoas se deleitam com os alimentos do passado exibidos na
televisão. Os casais não podem mais ter filhos. Para satisfazer o instinto
maternal e paternal, o Estado (não se sabe qual) fornece crianças robôs que
tentam imitar crianças de carne e osso. A fila para adoção é imensa. No meio
disso tudo, a personagem de Geraldine Chaplin não se conforma com um boneco.
Ela quer uma criança de verdade. Os casais que tivessem filhos humanos eram
condenados à morte com a aprovação de todos.
Ela engravida e tem de esconder a
gravidez por nove meses. Quando a criança nasce, o casal vizinho deseja se
apossar dela. Detentor do segredo, esse casal de torna uma ameaça. Os pais da
criança de verdade são obrigados a empreender uma fuga surreal para um lugar
degradado, mas natural. Lá, parece que estarão fora dos olhos do Estado
todo-poderoso. Em suspenso, fica a conclusão. Trata-se de uma defesa do direito
de procriar ou de uma advertência do que pode acontecer no futuro se a
humanidade continuar crescendo.
Enquanto filme, “A decadência de uma
espécie” deixa a desejar. Nunca li “O conto da aia” e provavelmente nunca o
lerei. Não vem ao caso. Uma vez que um filme toma obra literária como roteiro,
a linguagem passa a ser outra. Ao contrário do primeiro, “A decadência de uma
espécie” mostra um país (certamente os Estados Unidos) depois de uma guerra
civil. O Estado se tornou ditatorial e militarizado. Os rebeldes tentam destruí-lo.
Em vez de população em excesso, há
escassez de crianças. As mulheres jovens e férteis são preparadas para
procriar. As inférteis com posses se inscrevem para ganhar um bebê gerado por
outra. Num tom religioso, o líder (ou um deles) requisita mulheres jovens para
fecundá-las. São as aias. Sua esposa, já infértil pela idade, ajuda o marido
nas suas relações sexuais, sempre antecedidas pela leitura de um trecho
bíblico. Tudo leva a crer que esse líder seja estéril. No final, um empregado
se incumbe de fecundar uma aia.
Ao lado do cotidiano obscurantista,
a vida do período pré-ditadura existe para a devassidão dos homens. Em caráter
secreto atuam os rebeldes. O filme não se presta a interpretações eloquentes.
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