BIOSFERA E TECNOSFERA
Folha da Manhã, 25 de julho de
2020
Biosfera e tecnosfera
Joseph Arnold Toynbee passou toda a
sua vida intelectual procurando compreender a história da humanidade. Não se
dedicando ao que os historiadores costumam reunir comodamente no rótulo de
pré-história, Toynbee dedicou-se apenas ao que se chama de história, mas
desmontou a periodização dos livros didáticos, a disciplina ensinada nos
colégios e a estruturação dos cursos de graduação e pós-graduação em história,
muito embora os historiadores não tenham lhe dado atenção.
Toynbee foi um dos poucos a
questionar a superioridade do ocidente e o eurocentrismo, tanto nos simples
discursos políticos quanto nos estudos de história. Na monumental obra “Um
estudo da história”, em 12 ou 15 volumes, dependendo da perspectiva, ele elegeu
as civilizações, e não os Estados políticos, como objeto de estudo da história.
Não era novidade. Ele herdava o esforço empreendido por Spengler para
demonstrar que as civilizações, inexoravelmente, nascem, crescem e morrem.
Seria essa também a trajetória do ocidente, pois as civilizações são como seres
vivos.
Toynbee fugiu desse determinismo,
mostrando que as civilizações podem morrer ou não. E valeu-se de um conceito
bastante promissor: o do desafio-resposta. Recorrendo aos gregos originais, ele
descartou a raça como um fator responsável por respostas bem ou malsucedidas.
Qualquer raça pode dar respostas positivas ou negativas a desafios de ordem
natural ou social. Quando as explicações racistas estavam em voga, Toynbee era
uma das poucas vozes a rejeitá-las.
No princípio de suas especulações,
ele distinguiu três tipos de civilização, todas elas, geralmente, partindo de
sociedades neolíticas: civilizações completas, civilizações abortadas e civilizações
paralisadas. As primeiras nasceram, cresceram e morreram, não sendo a morte
algo inevitável. As abortadas são aquelas que nasceram e cresceram até certo
ponto, não podendo cumprir todo o ciclo por algum obstáculo. As estagnadas são
as que responderam positivamente a um desafio natural ou social e não puderam
se desenvolver por serem obrigadas a dar constantemente a mesma resposta a
desafios muito fortes. Ele identificou como civilizações estagnadas por um
forte desafio natural, a esquimó, a polinésia e a nômade (das estepes
asiáticas). Esparta e a Turquia osmanli seriam exemplos de civilizações
estagnadas por desafios sociais. Posteriormente, ele salvou a civilização das
estepes, reconhecendo-lhe o estatuto de civilização completa.
Sua concepção recebeu muitas
críticas. Toynbee recebeu todas como contribuição ao aperfeiçoamento de sua
concepção geral, embora muitas fossem agressivas. Depois de várias revisões e
reconsiderações, ele abandonou as civilizações estagnadas, o que considero um
descarte precipitado. Manteve as abortadas, a meu ver de forma equivocada.
Reviu a lista das civilizações numa versão concisa e final que foi traduzida no
Brasil (“Um estudo da história. Brasília/São Paulo: EdUnB/Martins Fontes,
1986).
Depois de discutir muito comigo
mesmo, fiquei com os conceitos de civilização e de desafio-resposta. Toynbee
deu alma aos modos de produção identificados por Marx. Numa pilha de
esqueletos, temos dificuldade de perceber diferenças. Será preciso um
especialista para distinguir a ossada de um homem e de uma mulher, de um negro
e de um branco. Com o revestimento dos esqueletos com seres humanos por corpos
vivos, distinguiremos com facilidade as diferenças. Por suas obras,
perceberemos as diferenças de espírito. O modo de produção reduz corpo e
espírito de uma civilização a esqueletos extremamente semelhantes. Cumpre
manter o conceito de modo de produção insuflando nele carne, sangue e espírito.
Ao longo de suas reflexões, Toynbee
considerou a natureza apenas como desafio a ser respondido ou não pelas
sociedades humanas. Durante quase toda sua vida, ele não levou em conta que a
natureza podia ser transformada pela ação humana e se tornar um desafio mais
forte. No seu tempo, as transformações antrópicas da natureza ainda não tinham
sido percebidas nem consideradas como uma nova forma de desafio.
Mas sua última obra, “A humanidade e a mãe Terra”, escrita
enquanto ele se recuperava do derrame que o matou, aborda a biosfera sendo
transformada pela humanidade, que foi criando uma tecnosfera. Os conceitos não
são muito apropriados, mas ele percebeu que a natureza não apenas se transforma
naturalmente, mas também por ações humanas, que criam a tecnosfera.
Daí, abre-se um vasto campo para
aquilo que vem sendo chamado de história ambiental, cujo objeto mais leve é o
estudo das representações mentais das culturas sobre a natureza e cuja dimensão
mais pesada é o do estudo das relações materiais das sociedades humanas com a
natureza. Cada cultura humana se relaciona de maneira distinta com a natureza.
Esse relacionamento pode levar a crises ambientais de origem antrópica, como já
foram registradas na ilha de Páscoa, entre os gregos, nas civilizações índica,
khmeriana e maia.
De todas as civilizações
identificadas e estudadas por Toynbee, a que mais vem se relacionando mal com a
natureza é a ocidental, principalmente na sua fase de expansão oceânica. Hoje,
o modo de vida do ocidente, pelo menos o modo básico, foi imposto e adotado
pelo mundo todo, gerando o que se denomina de globalização e uma crise
ambiental antrópica inédita.
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