A ZONA COSTEIRA DO ESPÍRITO SANTO
Marataízes, 24 de julho de 2020
A zona costeira do sul do
Espírito Santo
Arthur Soffiati
Da
foz do rio Itapemirim à foz do rio Macaé, a natureza formou um aterro em forma
de meia lua que afastou o mar da zona serrana. José Saturnino da Costa Pereira
parece ter sido o primeiro a perceber essa característica na zona costeira
mencionada. Ele escreveu em 1848: “Desde o
paralelo das ilhas de Santa Ana até a ponta de Benevente, na Província do
Espírito Santo, a praia se afasta consideravelmente da cadeia das montanhas do
interior; e deixa um intervalo, que vai, em alguns lugares, até 13 léguas,
formando um terreno chato, e muito baixo: este terreno se estende por baixo
d'água, e constitui o que os caboteiros chamam de Cabo de S. Tomé.” (“Apontamentos
para a formação de um roteiro das costas do Brasil com algumas reflexões sobre
o interior das Províncias do litoral e suas produções”. Rio de Janeiro:
Tipografia Nacional, 1848). O arquipélago de Santana situa-se em frente à foz
do rio Macaé. O terreno chato e muito baixo é formado por duas unidades de tabuleiros,
pela planície aluvial construída pelo rio Paraíba do Sul e por três restingas.
No que se refere à ponta norte do arco, o autor foi além do que devia, pois a
ponta de Benevente está na zona serrana. No centro do arco e dentro do mar,
existe de fato baixa profundidade na altura do famoso cabo de São Tomé. São
parcéis muito perigosos à navegação costeira.
José Saturnino nasceu na Colônia do
Sacramento, hoje Uruguai, em 1771, e morreu no Rio de Janeiro, em 9 de janeiro
de 1852, com 80 anos. Foi engenheiro, militar e político. Depois de estudar na
Universidade de Coimbra, ele voltou ao Brasil, onde exerceu o cargo de
Presidente da Província de Mato Grosso de 1828 até sua morte, pois o cargo era
vitalício. Anos depois, mas ainda no
século XIX, o geólogo canadense Charles Frederick Hartt entendeu que a montanha se afasta do mar (“Geologia e Geografia física do Brasil”.
São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1941). A
interpretação de José Saturnino foi mais precisa que a do canadense, pois este
vasto aterro diante da zona serrana é muito mais novo que as formações
cristalinas das montanhas ao fundo, como um anfiteatro.
Mas o grande aterro em forma de arco
é composto por terrenos de idades distintas. Os mais antigos são os dois
tabuleiros, formados em torno de 5 milhões de anos. A restinga entre a foz do
rio Macaé e a foz do construído canal do Furado tem idade estimada em 120 mil
anos. A planície aluvial começou a ser construída pelo rio Paraíba do Sul a
partir de 5 anos antes do presente e a restinga de Paraíba do Sul formou-se a
partir de 2.500 anos passados.
O centro desse vasto aterro é o cabo
de São Tomé. Cabe notar que, da foz do Itapemirim à foz do Macaé, não existe
nenhuma formação pedregosa nem no aterro nem na zona costeira. Toda pedra hoje
encontrada nesse trecho litorâneo foi introduzida por ação humana, como no engordamento
da praia de Marataízes, na parede de proteção em Guaxindiba, nos
guias-correntes de grande porto do Açu, no prolongamento mar adentro em Barra
do Furado, também por guias-correntes, e nos taludes na costa macaense. Para o
interior até a serra, também não existe qualquer formação pedregosa natural,
com exceção do maciço do Itaoca, nos arredores da cidade de Campos dos
Goytacazes, que deve ser entendido como uma intrusão serrana em terreno de
planície ou de uma zona montanhosa baixa envolvida pela planície aluvial.
Por tais características peculiares
desse trecho costeiro, que nortearão a colonização europeia da região e por ter
ele como ponto central o cabo de São Tomé, batizei-o de ecorregião de São Tomé.
A ela dedico minha atenção de pesquisador há 40 anos.
O trecho costeiro ocupado por
tabuleiros
No mapa da Ecorregião de São Tomé,
visualizam-se duas unidades de tabuleiro: uma a norte e outra ao sul. Ambas
parecem partes de um todo cujo miolo não existe mais. Sabe-se que o nível do
mar começou a subir em torno de 10 mil anos passados e invadiu o continente até
alcançar as bordas da zona serrana. Trata-se de um fenômeno que os geólogos
denominam de transgressão marinha. Os tabuleiros deviam ser ligados de norte a
sul quando o mar começou a subir e invadir a parte baixa dos tabuleiros, onde
se estendia o antigo leito do Paraíba do Sul. Aliás, deve ter sido por esse
leito que o mar avançou, formando uma grande laguna e seccionando os tabuleiros
em duas unidades, as quais vemos no mapa. Ao sul, os tabuleiros já estavam
distantes do mar, afastados que foram pela antiga restinga de Jurubatiba. Ao
norte, os tabuleiros, com estatura mais alta, barraram o avanço do mar. Esse choque
entre continente e mar formou as belas falésias, paredões voltados para a praia
em colinas ondulantes.
Essa configuração dos tabuleiros
esculpidos pelo mar se estende do rio Itapemirim ao pequenino rio Guaxindiba,
no município de São Francisco de Itabapoana. Os tabuleiros, nesse trecho, eram
mais largos antes do avanço do mar, há dez mil anos passados. Eles foram sendo
erodidos pela força marinha, ao mesmo tempo que resistiam a ela. Assim, o
avanço do mar criou uma costa baixa, com parcéis, algumas poucas ilhas,
pináculos e falésias. Um baixio famoso nos séculos XVI e XVII, ainda registrado
na cartografia do século XVII, era o dos Pargos. Uma das poucas ilhas é a das
Andorinhas, desconhecida mesmo dos habitantes do sul capixaba. O mais famoso
pináculo (fragmento de tabuleiros que ficou isolado da sua origem) ficava na
ponta do Retiro, em São Francisco de Itabapoana, e foi derrubado pela força das
ondas que, embora pequenas na enseada do Retiro, são constantes.
Pináculo na ponta do Retiro.
Entre ele e a falésia, havia uma parede de ligação que ruiu pela ação marinha.
A pináculo também não existe mais
Os tabuleiros no Espírito Santo
Não apenas na Ecorregião de São Tomé
são encontrados tabuleiros (ou formação Barreiras ou ainda série Barreiras,
como são conhecidos pelos estudiosos). Na verdade, eles se estendem de forma
intermitente do Acre ao norte fluminense. Alguns cientistas querem vê-los até a
praia Rasa, em Búzios. Mas os de lá parecem mais antigos do que os encontrados
no sul do Espírito Santo e no norte do Rio de Janeiro. Já na descrição de Pero
Vaz de Caminha, em sua famosa carta, acredita-se que, além das praias, a
primeira formação geológica vista pelos portugueses no Brasil tenham sido os
tabuleiros.
“A chegada de Cabral” (1900), de
Oscar Pereira da Silva. No
primeiro plano, a praia. Ao fundo, falésias dos tabuleiros
No litoral sul do Espírito Santo, os
tabuleiros são baixos junto à foz do rio Itapemirim, ganhando maior dimensão
para o interior e para o sul junto à costa. Na altura da praia dos Cações, da
lagoa das Pitas e da lagoa de Caculucage, eles formam majestosas falésias que
se transformaram em atração turística. Mas a remoção da vegetação nativa, a
agropecuária, o turismo indisciplinado, as atividades impróprias e o avanço do
mar causado pelas mudanças climáticas representam perigosos riscos às falésias.
Falésia na lagoa das Pitas –
Marataízes
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