A MANCHA NO TERNO BRANCO
Folha da Manhã, Campos dos
Goytacazes, 08 de julho de 2020
A mancha no terno branco
Edgar Vianna de Andrade
Vírus, bactérias, protozoários e
fungos sabem sempre o que fazer com eficiência sem saber que sabem. Eles vão
direto ao ponto, parasitando seres vivos multicelulares sem hesitação. Nós é
que hesitamos por desconhecer o invasor. A cultura ocidental está contribuindo
muito para a propagação do novo corona vírus. Cientistas e médicos têm opiniões
distintas e até contraditórias no processo de conhecimento do agente da nova
pandemia. As autoridades governamentais vacilam ainda mais. Umas aceitam a
ciência, que sabe o que recomendar, embora ainda sem a necessária segurança.
Outras negam a ciência e colaboram com a disseminação do vírus.
Por sua vez, a diversidade social
colabora com o vírus. Primeiramente, cabe considerar a distribuição de renda.
Quem tem dinheiro pode se refugiar e evitar o vírus. Se ele alcançar o rico,
este pode pagar por melhor tratamento em clínicas particulares. Já o pobre vive
concentrado em lugares inadequados. Não por querer, mas por não poder. Não se
trata de aglomeração, mas de concentração. Os pobres moram em lugares
apertados: muitas pessoas numa casa e muitas casas num local sem saneamento
básico.
Além do mais, precisam trabalhar.
Notadamente nos países pobres presididos por governos indiferentes, como no
Brasil. Os Estados Unidos são considerados a maior economia do mundo, mas são
governados por um presidente cético que defende a primazia do seu país no
mundo. O nível econômico das pessoas não tem contribuído muito, pois a riqueza
pode atrair a doença, já que os Estados Unidos estão conectados ao mundo, por
mais que seu presidente advogue um nacionalismo retrógrado.
Enfim, a necessidade de se isolar
para fugir do vírus e a pressão da economia dominante para o retorno a uma
normalidade pré-pandemia afeta mais os pobres que os ricos. Empresários e governantes
querem continuar a ganhar para se enriquecer mais ainda. Trabalhadores precisam
ganhar seu salário, já que o Estado não garante sua sobrevivência. Mas, no
final, todos dependem da mesma economia.
“O homem de terno branco”, filme de
1951 dirigido por Alexander Mackendrick, mostra, por meio de uma ficção
científica de humor, como funciona a economia de mercado. Costa-Gavras também
mostrou esse funcionamento cruel em “O corte”, filme de 2005. Em “O homem de
terno branco”, um químico (Alex Guinness), empregado numa indústria têxtil,
inventa um tecido que nunca envelhece e à prova de manchas. Ele é idealista e
acredita estar contribuindo para o bem-estar da humanidade. Os pobres não
precisarão mais gastar dinheiro com roupas. Consta que um imperador romano,
informado que um artesão havia inventado uma tecnologia nova para fabricar de
vidro, mandou que um servidor seu o localizasse não para condecorá-lo, mas para
matá-lo. A nova tecnologia poderia criar desemprego e revolta contra o próprio
imperador.
O químico que inventou o novo tecido
acredita que merecerá o agradecimento do seu patrão. O acionista maior da
empresa oferece-lhe, através da filha de um dos patrões, polpuda quantia para
que ele venda a invenção e nunca mais tente reinventá-la. Um tecido eterno
representaria a falência da fábrica e o fim da indústria têxtil. A moça
encarregada do contato cobra caro pela sua tarefa. Tudo tem seu preço no
mercado. O inventor não desiste e recorre aos operários da fábrica em busca de
apoio. Eles o repudiam. Um tecido que não se desgasta e não mancha acabaria com
seus empregos.
No final, até uma velha lavadeira o
hostiliza, pois um tecido que não mancha dispensaria o seu trabalho. Mas em se
tratando de uma ficção científica cruzada com comédia, tudo termina bem para a
economia de mercado e mal para o inventor.
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