AINDA A SEMANA DO MEIO AMBIENTE



Ainda a semana do meio ambiente
Arthur Soffiati
            Querem ouvir de mim o que não posso mais falar. São poucas as pessoas que me desejam ingênuo e otimista. Geralmente jovens. Poucas porque não são muitos aqueles que se interessam pela questão ambiental de maneira mais intensa. Não sei se essas poucas pessoas têm algum ativismo militante. Talvez os tempos sejam outros e não exigem participação ativa. Só sei que elas não gostam de ler o que escrevo. Não que me censurem. Apenas acham que perdi a esperança, que me tornei cético e pessimista. Na verdade, as pessoas resumem as posturas em otimistas e pessimistas. Frequentemente, ouço declarações públicas de pessoas que se dizem otimistas ou pessimistas diante de alguma situação. “Sou pessimista quanto ao futuro do mundo”. “Sou otimista quanto ao futuro do Brasil”. Pergunto-me em que bases essas pessoas se apoiam para serem otimistas ou pessimistas. Certa vez, numa palestra, pedi que as pessoas pessimistas levantassem a mão. Algumas levantaram. Pedi o mesmo aos otimistas. Quase todos levantaram. Perguntei a um otimista e a um pessimista em que se baseavam para adotarem suas posturas. Não sabiam exatamente. No fundo, a atitude derivava mais de temperamento individual que de análise da realidade.
            Esse voluntarismo é muito comum. O mundo vai melhorar porque sou otimista. O Brasil vai piorar porque sou pessimista. Voluntarismo é acreditar que os contextos vão mudar de acordo com nossa vontade e nossa ação. Então, quando digo que a tendência é o ambiente global, regional e local é a degradação, acusam-me de pessimista e desejam ouvir de mim cândidas palavras. A maioria das pessoas não está preparada para situações que as desagradam.
            Até entendo esse otimismo ou essa incapacidade de examinar a realidade para emitir uma opinião mais realista. Noto que são pessoas sem vivência por serem jovens. Contudo, encontro pessoas maduras com posição semelhante. Fugir da realidade é uma atitude muito comum. Vivemos envolvidos numa visão de mundo que abomina a velhice e a morte. Devemos estar sempre sorrindo, como aqueles idosos que frequentam clubes da terceira idade, onde comem, dançam e fazem exercícios físicos. Envelheceram, mas não amadureceram. Nascem, crescem, trabalham, reproduzem, aposentam-se, envelhecem e morrem sem notar. Atitude mais delicada é a daqueles que foram ativos, que se engajaram em alguma causa e a abandonaram com o envelhecimento. Não me refiro aos que perderam a força física ou a consciência, e sim àqueles que continuam lúcidos apesar da idade. Eles entendem que seu tempo passou ou não entendem mais nada. Reconheço que é muito difícil – senão impossível – compreender o complexo mundo atual e apontar caminhos.
            Quando me envolvi com a questão ambiental, há 42 anos, também eu era voluntarista. Todos aqueles que fundaram o Centro Norte Fluminense para Conservação da Natureza, em dezembro de 1977, eram voluntaristas. Acreditávamos que venceríamos as lutas com certa facilidade. Um dos nossos, hoje já falecido, chegou mesmo a escalonar a solução das questões que enfrentávamos. Dizia ele: “nesse ano, venceremos os desmatadores”; ano que vem, liquidaremos a questão da invasão das lagoas etc”.
Julgávamos que havia desmatamento e invasão de lagoas porque as pessoas eram gananciosas. A questão era acabar com a ganância, seja convertendo os maus ou os obrigando a respeitarem as leis. Por muitos anos, acreditei nas leis e em seus operadores. O mais preocupante é perceber que muitas pessoas passam a vida inteira apostando suas fichas num jogo sempre perdido. A realidade não lhes ensina o realismo. Continuamos a investir na educação ambiental, na crítica aos governantes, na condenação dos empresários mesmo que os resultados sejam adversos.
Fui voluntarista durante muitos anos e recebia muitos elogios pelo meu idealismo. Acostumaram-se a me ver com o idealista de plantão que falava por quem optava por uma posição cômoda. Mas sou historiador. Não continuaria a dar soco em ponta de faca indefinidamente. Percebi com clareza (creio eu), que a faca não se incomodaria com os ferimentos em minhas mãos, assim como o novo corona vírus não se incomoda com as pessoas.
Como historiador, recorri ao processo histórico na busca de entendimento. Abri um campo novo na historiografia, assim como outros já o estavam abrindo em vários lugares do mundo: o das relações sociedades-humanas com a natureza. Aprendi que várias civilizações ultrapassaram os limites do ambiente natural dentro da resiliência, ou seja, dentro da capacidade de autorregeneração do ambiente. Aprendi que a civilização mais agressiva ao ambiente é a ocidental, que se caracterizou, acima de tudo, por uma economia estranha a partir do século XI. Uma economia que não buscava produzir bens necessários à vida humana, mesmo havendo desigualdades sociais, mas que tinha o lucro por objetivo. Vale dizer, uma economia que visa transformar o dinheiro em mais dinheiro através da produção de bens.
Essa economia ganhou o mundo progressivamente com a expansão violenta do ocidente, gerando o que chamamos de globalização; explorando excessivamente a natureza com a retirada de mais do que ela pode fornecer e jogando no subsolo, no solo e na atmosfera mais do que ela pode absorver; criando uma sociedade que se desvinculou do grupo, da história e da noção de limites, em que os valores maiores são o individualismo, o imediatismo e o consumismo. Daí a crise socioambiental da atualidade, que não nasceu ontem, mas tem atrás de si um processo cumulativo de 10 séculos desde sua origem e de 6 séculos desde o início da origem de sua expansão mundial.
Não sou pessimista, mas realista por saber agora com que forças lido. Não perdi a esperança por entender que existem brechas, imprevisibilidades, incertezas que podem permitir a construção de um mundo melhor para a maioria dos humanos e para a natureza. Mas o mundo pode também caminhar para uma situação insuportável. Aliás, já vivemos essa situação insuportável. Só notamos a ponta do iceberg. Só notamos a pandemia causada pela covid-19. Entendemos que, passada a pandemia, voltaremos ao normal. Ou criaremos um novo normal ainda não devidamente claro. É nesse contexto que o voluntarismo prospera.  
        

Comentários

  1. O conhecimento e a maturidade se encontrando e nos possibilitando toda esta sabedoria. Excelentes e necessárias reflexões, querido Aristides Soffiati. Obrigada pela partilha!

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