REFLEXÕES SOBRE AS PANDEMIAS (IV)
Folha da Manhã, Campos dos
Goytacazes, 03 de maio de 2020
Reflexões sobre as pandemias
(IV)
1-
Eficiência. O vírus não hesita. Sai
da mata (supõe-se) e invade o corpo humano, nele operando sem vacilação. Não se
importa em matar, causar infecção grave ou perder a luta para anticorpos. Pega
carona em corpos humanos e demora em torno de duas semanas para se manifestar.
Pode, inclusive, não causar sintomas. Nesse tempo, vai contaminando outras
pessoas. Anda a pé, de bicicleta, de automóvel, de ônibus, de trem, de navio e
de avião sempre no corpo de pessoas. Não reconhece fronteiras nacionais.
Manifesta-se mais nas grandes cidades, onde encontra aglomerações. Passa por
cima de políticas públicas, protocolos e burocracias. Não se importa com o que
falam dele. Se bem ou se mal. Ele não é vida nem não-vida. É algo muito simples
que sabe como trabalhar no organismo humano sem saber que sabe. Sem ser bom ou
mau. O vírus simplesmente é. Ele é natureza e sua derrota depende da natureza:
os anticorpos fabricados pelo organismo.
2-
Hesitações no mundo científico. Os
pesquisadores e médicos tentam esconder sua perplexidade, mas não conseguem.
Inicialmente, como medida de prevenção, eles recomendavam que o infectado
ficasse recluso em casa, recorrendo aos hospitais apenas se seu caso fosse
grave. Depois, concluíram que, com a reclusão, a doença podia progredir e
exigir internação. Portanto, ao primeiro sinal da doença, o infectado deveria
procurar um hospital. Inicialmente, o vírus atacava os pulmões. Depois,
concluiu-se que afetava o coração, o fígado, os rins etc, e que seu alvo não
era tanto os pulmões. Mais tarde, o vírus infectava o sangue. Os pesquisadores
e médicos discutem se o tratamento pode ser com remédios e cada um propõe o
seu. Nesse ponto, os egos afloram. Mensagens divulgadas pelas redes sociais
revelam médicos manifestando certezas quanto aos medicamentos corretos a serem
usados. Sempre os que eles consideram o certeiro. Cada um reclama da falta de
atenção que lhe é dispensada em não o levar em consideração. A máscara deve ser
usada pelo infectado para não lançar gotículas sobre os sãos quando falar,
tossir e espirrar. Não. Voltamos atrás. A máscara deve ser usada por todos.
Agora, a Organização Mundial de Saúde não garante que os anticorpos
desenvolvidos pelos infectados que se curaram os protegem de uma nova infecção.
Pesquisadores e cientistas estão hesitando, o que é profundamente normal. Os
cientistas estão meio perplexos diante de um vírus novo. Mas ele, o vírus, não
vacila.
3-
Hesitações no mundo político. Países
e governantes não estavam preparados para enfrentar uma pandemia, mesmo com
certos pensadores advertindo que vivemos num mundo de incerteza, insegurança e
risco. Eles chamam a atenção para os muitos perigos que nos ameaçam. No máximo,
políticos e economistas se mostram preocupados com tais ameaças e seguem em
frente. Alguns não se conformam em ter de mudar de planos diante da pandemia e
querem continuar a vida como se nada tivesse acontecido. Os casos mais
ilustrativos são os da Bielorrússia ou Belarus, Turcomenistão, Nicarágua,
Estados Unidos e Brasil. Atendendo a grandes interesses econômicos, os
governantes não concordam com o isolamento físico das pessoas, insistindo que a
economia é mais importante que a doença. Eles não chegam a ser explícitos a
esse ponto, dizendo apenas que os pobres querem voltar ao trabalho. Até mesmo
remédios eles receitam, como vodca e cloroquina. Além disso, os sistemas de
saúde não estavam preparados para uma pandemia. Os hospitais estão
superlotados. Faltam leitos, respiradores e equipamentos especiais. Médicos e
enfermeiros estão sendo contaminados e se afastando do trabalho. Os sistemas
funerários estão sobrecarregados. Os órgãos máximos de saúde não se entendem.
No Brasil, o Ministério da Saúde emite mensagens conflitantes, com o presidente
do país entendendo que o isolamento deve se restringir aos aposentados e
idosos, já fora do mercado de trabalho.
4-
Evolucionismo. Darwin retornou à
baila de modo escuso no Brasil. Jair Bolsonaro, ao defender o retorno das
pessoas ao trabalho (aqueles que os tem, pois muitos estão desempregados), diz
ser inevitável a contaminação de cerca de 70% da população. Certamente,
Bolsonaro já ouviu falar em Darwin, mas não sabe direito de quem se trata. O
que ele, Bolsonaro, está defendendo, sem o saber, é a seleção natural e a
sobrevivência dos aptos. O vírus elimina quem não resiste ao seu ataque,
deixando apenas aqueles que desenvolvem anticorpos. O evolucionismo de Darwin
evoluiu, se me permitem o trocadilho. Sabe-se hoje que a seleção natural
continua valendo, mas que o não apto pode sobreviver com a proteção da
sociedade. Imaginemos um elefante ou um macaco que nasça com um defeito físico,
condenando-o a ser eliminado por predadores. Se a sociedade o proteger do
perigo, ele sobrevive e pode inclusive procriar. Um apto como Bolsonaro, que
tem um histórico de atleta, pode sucumbir ao vírus, mesmo com toda a atenção
médica recebida. O evolucionismo – que não deveria ter esse nome – precisa ser
relativizado, ainda mais com o ser humano, que tem consciência e vive em
sociedade.
5- Amazônia. A pandemia reduziu a
concentração de gases do efeito estufa na atmosfera, melhorou a qualidade do ar
respirado nas cidades, limpou as águas dos rios e dos mares até onde possível e
melhorou as condições ambientais em todo o planeta. Só não conseguiu proteger a
floresta amazônica e os índios que ainda a habitam. Os agressores da floresta
estão sempre de plantão para atacá-la. Eles aproveitaram a eleição de Bolsonaro
para provocar incêndios colossais em 2019 e agora estão aproveitando a pandemia
para novamente atacá-la, já que as atenções estão voltadas para o vírus. E,
mais uma vez, contam com a ajuda do governo.
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