REFLEXÕES SOBRE AS PANDEMIAS (II)


Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 19 de abril de 2020
Reflexões sobre as pandemias (II)
Longo isolamento. Sempre que acontece uma catástrofe de curta, média e longa duração, os meios de comunicação desentocam especialistas. Se terremotos e tsunamis, os geólogos são mobilizados. Se chuvas e secas intensas, busca-se a palavra mais de meteorologistas que de climatologistas. Chegou a vez dos epidemiologistas, infectologistas e virologistas. Eles estavam quietos em seus laboratórios, de onde foram retirados para prestar esclarecimentos aos jornais e programas de TV. São muitos. Como é comum no meio científico, há opiniões discordantes, mas irrelevantes. No geral, as explicações são convergentes. Em ciência, deve-se lidar bem com as incertezas.
            Enquanto a orientação for lavar bem as mãos, ficar isolado fisicamente e usar máscara, tudo bem. Com o progresso da epidemia, os pesquisadores e médicos começam a aprofundar o assunto. Devemos nos precaver para não sermos contaminados e saturarmos o sistema de saúde, já deficiente desde sua criação. Caso apanhados pelo vírus, não poderemos contar com um atendimento razoável. Fiquemos em casa, pois, para esperar o pico da pandemia e sermos contaminados quando os hospitais estiverem menos lotados. Em outras palavras, adiemos nossa contaminação para mais tarde. Agora, você será mal atendido por superlotação e falta de equipamento.
            Diante desses esclarecimentos, alongarei minha quarentena para fugir da primeira, segunda e terceira ondas da pandemia, como aconteceu com a gripe espanhola. Só saio de casa diretamente para o posto de saúde, quando a vacina já tiver sido criada.
Novo tempo. O novo vírus corona não veio para o bem nem para o mal. Na verdade, ele foi trazido por alguém que comeu um animal infectado. Talvez silvestre. Foi na China que ele entrou no mundo dos humanos. Sua intenção não é trazer nada. Ele simplesmente está entre nós agora e nos pega de surpresa. Atrapalha os planos pessoais e coletivos. Uma pessoa idosa que, embora saudável e com planos para o futuro, adoeceu e morreu. Um jovem que trabalhava para juntar dinheiro e casar também. Um milionário que queria ficar ainda mais rico idem. Uma grande empresa que pretendia dominar o mercado de algum produto foi obrigada a parar. Um país que tinha planos de sair de um PIB sofrível para uma situação melhor não conseguirá. Um país cuja economia caminhava de vento em popa teve de parar.
            Por outro lado, o vírus fez o que a ONU, grupos de cientistas e governantes não conseguiram em anos. Os gases causadores das mudanças climáticas sofreram drástica redução. A poluição das grandes cidades diminuiu. As ruas estão vazias como em filmes de zumbis, os rios rapidamente se despoluem, os animais silvestres reaparecem e entram, inclusive, em jardins particulares. O vírus mostra a nossa incompetência.
            Eis aí a capacidade de recuperação da Terra, sua resiliência e sua homeostase. Basta a humanidade sair de cena parcialmente para a beleza do mundo voltar. Se não a beleza, o equilíbrio. A saúde e a doença não afligem apenas os humanos. A natureza está doente pela intoxicação da economia capitalista. Basta que ele pare um pouco para que os sinais vitais comecem a se manifestar. 
Normalidade. Está todo mundo querendo voltar ao normal. O normal é anormal em termos ecológicos. Há pessoas querendo se reunir novamente para beber cerveja, fazer churrasco, abraçar e beijar todo mundo. Há pessoas que desejam voltar a andar de ônibus, metrô, automóvel, avião. Os governos querem a retomada do crescimento, querem o retorno da poluição, do movimento. Ninguém está querendo ficar em casa. É muito bom fazer compras em shoppings. Chega de recolhimento físico. Chega de bater palmas ou panelas nas janelas.
            Tolice pensarmos que a atual pandemia mudará o mundo. Que a economia vai mudar. Que mesmo a economia capitalista vai caminhar com mais moderação. Que o consumo de pangolins e outros animais silvestres será proibido. Não temos vocação para a meditação, para o silêncio, para a vida monástica. Queremos movimento. Não sei de epidemia que tenha mudado o capitalismo. A peste negra, no século XIV, impulsionou a expansão marítima no século seguinte. A gripe espanhola desembocou no carnaval de 1919, um dos maiores de todos os tempos. Ela não foi capaz sequer de criar o Estado de Bem-Estar Social, como a crise econômica de 1929 e a Segunda Guerra Mundial.    Terminada a pandemia, voltaremos ao que era antes dela. 
Os individualismos nacionais, empresariais e pessoais na pandemia. O que se percebe é uma queda de braço entre economia e saúde. No meu ceticismo, não acredito nas boas intenções de governos e empresários. Acho que todos eles fingem solidariedade com os humanos ameaçados, infectados e mortos pela Covid-19. Eles estão loucos para o momento agudo passar a fim de que a economia volte à normalidade. Os Estados nacionais estão competindo para monopolizar as compras de material hospitalar. Dentro de cada nação, também. Há países e empresas que estão lucrando com a pandemia. No Brasil, o presidente se esforça por demonstrar que o trabalho é mais importante que o confinamento porque os pobres são os que mais sofrem. De fato, mas sua preocupação maior é com as empresas, que ainda não contam com robôs. Se contassem, os pobres poderiam morrer. Que ilusão pensar que daqui pra frente nascerá um mundo novo.

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