POR FIM, O CORONAVÍRUS


Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 05 de abril de 2020
Por fim, o coronavírus
A tendência mundial depois da queda do chamado mundo socialista ou comunista é o neoliberalismo. A revolução industrial inaugurou o liberalismo, política econômica em que o Estado devia se reduzir ao mínimo para dar espaço a uma economia capitalista que se revelou feroz. Não havia nenhuma proteção aos trabalhadores e à natureza. A concorrência entre as empresas foi tão agressiva que as pequenas sucumbiram diante das grandes. Um prolongado estado de crise econômica (1873-1933) foi abalando o sistema até a eclosão da crise pontual de 1929. Em 1917, tentou-se substituir o capitalismo na Rússia pelo sistema socialista proposto por Marx. Finda a Primeira Guerra Mundial, o liberalismo estava muito abalado nos países derrotados ou ainda frágeis quanto à economia capitalista. Neles, acabou prevalecendo o nazi-fascismo conservador (Espanha e Portugal, por exemplo) e expansionista (Itália e Alemanha). Na Itália, em 1922, Mussolini chegou ao poder e, pouco a pouco, implantou o fascismo. O mesmo aconteceu na Alemanha, com a vitória do nazismo por meio de eleições. Hitler se tornou primeiro ministro. O nazismo avançou como solução para a crise do capitalismo.
Estados Unidos, Inglaterra e França, como países vencedores, também foram atingidos pela crise geral do capitalismo na sua forma liberal. A resposta foi a intervenção do Estado na economia, proposta apresentada pelo economista inglês John Maynard Keynes. Nascia, assim, o Estado de Bem-Estar Social. Não se tratava nem de controle total da economia capitalista para substituí-la por outra, como na Rússia e depois União Soviética, nem um controle da economia em benefícios do grande capital, como no nazi-fascismo. O Estado de Bem-Estar salvava o capitalismo do caos gerado pela concorrência descontrolada reinante no liberalismo e, ao mesmo tempo, afastava-o das soluções extremistas.
Mas, destruído o estado nazifascista na Segunda Guerra e dissolvido o estado socialista entre 1989 e 1991, o capitalismo acreditou que não eram mais necessárias a proteção e a regulação do Estado. O capitalismo vencera todos os seus inimigos, podendo-se proclamar o fim da história, como aconteceu. O capitalismo não enfrentava mais inimigos. Num mundo dominado pelo imediatismo, individualismo e consumismo, a crise de 1929 foi esquecida. Havia ainda um perigoso inimigo, o velho inimigo do capitalismo: ele próprio. Mesmo num mundo globalizado, os Estados nacionais acirraram a concorrência tanto interna quanto entre eles. O Produto Interno Bruto tornou-se mais ainda objeto de culto.
A concorrência acelera a exploração da natureza. Como ela não é uma entidade inerte, suas reações vão lentamente se acumulando, como as mudanças climáticas geradas pelas emissões de gases do efeito estufa, o derretimento das grandes geleiras, o aquecimento e elevação dos mares, a destruição de florestas, a aceleração dos ciclos de nitrogênio e fósforo, a poluição generalizada, a urbanização e as concentrações humanas geradas pelo processo de urbanização.
Por outro lado, as desigualdades sociais se intensificam. A combinação explosiva foi se acelerando: crescimento populacional, exploração excessiva da natureza, concentração de riquezas por uma minoria, pauperização da maioria. Acentuaram-se as condições favoráveis a tempestades cada vez mais intensas e frequentes, para secas mais ingentes, com incêndios devastadores e para a eclosão de epidemias facilmente transformadas em pandemias num mundo globalizado.
Os Estados nacionais priorizaram mais a economia que a proteção do ambiente e de seus habitantes. Os sistemas de saúde não se estruturam para situações excepcionais, como a que se vive atualmente com a nova pandemia. A economia capitalista carrega em si uma contradição quase insolúvel: para crescer, ela precisa destruir o ambiente e gerar pobreza em massa; por outro lado, a crise socioambiental colapsa o crescimento de tempos em tempos. E esse colapso tende a restabelecer alguns equilíbrios ambientais sem poupar os pobres por não serem conscientes e éticos. Em poucos meses, a atual pandemia de coronavírus fez mais que todos os governos juntos não conseguiram fazer para reduzir as mudanças climáticas e a poluição. Ela reduziu a atividade da indústria, dos transportes terrestres e da circulação de aviões.
Em breve, haverá necessidade de um novo Estado de Bem-Estar. Mais ainda: de uma comunidade forte de Estados para enfrentar os problemas socioambientais. A pandemia causada pelo covid-19 já aponta para esta necessidade. Proteção à natureza, distribuição de renda e um vigoroso sistema de saúde são cada vez mais prementes.  
Não cabe buscar explicações nas religiões para os problemas que a humanidade criou. Deve-se recorrer à fé apenas para acalmar os espíritos e fortalecer as pessoas de modo a enfrentar os problemas. Sairemos dessa crise e infelizmente a esqueceremos. Eclodirão escândalos ligados a desvio de recursos para atacar a pandemia. O imediatismo triunfará, infelizmente, e o capitalismo voltará a buscar o crescimento. Novas crises aparecerão e repetiremos tudo o que está acontecendo agora.

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