A LEGENDA NO CINEMA E NOS QUADRINHOS
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 03/04/2020
A legenda no cinema e nos quadrinhos
Arthur Soffiati
Num programa de “Os Trapalhões”,
Didi (Renato Aragão) tenta entender o que norte-americanos estão falando com
ele e olha para os pés do grupo. Outro trapalhão pergunta por que ele tem os
olhos fixados nos pés dos estrangeiros. Resposta: “estou tentando ver se tem
aquelas letrinhas do cinema pra saber o que eles estão dizendo.” Didi buscava
as legendas, como se estivesse diante de um filme não dublado.
Há quem reclame de fundo branco nos
filmes, pois eles dificultam a leitura das legendas. A reclamação parte da ideia
inconsciente segundo a qual as legendas já vêm com os filmes importados. Sendo
assim, os produtores deveriam escolher lugares melhores para colocá-las. Mas
legendas são introduzidas no Brasil. Como os diretores não pensam na exportação
dos filmes, despreocupam-se de colocar lugares especiais para elas.
Quando o filme recebe dublagem, as
legendas se tornam desnecessárias, conquanto nem sempre as traduções sejam
boas. Mas as legendas também não garantem qualidade. Em extras de DVDs que não
contam com a opção de dublagem, as legendas dançam para baixo e para cima,
dificultando a concentração do espectador.
Da minha parte, recorro sempre às formas dubladas para
prestar mais atenção na imagem, que, de per si, foge dos nossos olhos com o
movimento e com os cortes.
Em se tratando dos quadrinhos, outra
arte sequencial, dificilmente a legenda pode ser dispensada. Existem criadores
que se afinam com o cinema mudo e apelam mais para a imagem. Pinduca (no
original Henri) é um destes casos. Ele foi criado por Carl Anderson em 1932 e
prosseguido por John Liney, quando da morte do pai do personagem, em 1942.
Pinduca jamais abre a boca para falar. A imagem é que fala em cenas inusitadas
e cômicas. Outro é Reizinho (The Little King), criado por Otto Soglow em 1934.
Ele se movimenta muito, mas nunca pronuncia palavras. Ambas as tiras eram
publicadas em uma página semanal.
Em outros personagens de quadrinhos,
a legenda aparece como narrativa indireta e na parte inferior dos quadros, como
no cinema. Angelo Agostini, considerado um dos primeiros quadrinistas do mundo,
legendava suas histórias desta forma. Também Harold Foster vale-se deste
recurso em Príncipe Valente (Prince Valiant), que apareceu em 1937. Talvez, a
narração indireta visasse proteger o belíssimo traço de manchas provocadas
pelos balões e onomatopeias. Foster é um clássico e um quadrinista conservador
em sua estética.
No geral, porém, o discurso mais
usual nos quadrinhos é direto e fica contido nos balões. Já que desenho não
pronuncia palavras, é preciso escrevê-las num local destacado do quadrinho que
acabou sendo denominado de balão. Comparado ao cinema, o quadrinho inverte a
legenda. No cinema, ela se localiza nos pés. Nos quadrinhos, ela se desloca
para a cabeça.
O leitor de quadrinhos tem uma
grande vantagem sobre o espectador de filmes. Nos quadrinhos, mesmo a
contaminação do balão e da onomatopeia permite apreciar o desenho, já que este
não se movimenta. Quem se move são os olhos do leitor. O tempo de leitura deles
é escolhido pelo leitor, que pode ser rápido ou lento, inclusive lendo-os por
partes em dias seguidos. No cinema, o filme é que corre ante os olhos do
espectador, numa duração não estabelecida por ele, mas pela edição. A fita e o
DVD permitiram a libertação do espectador em relação ao filme. Os novos
recursos tecnológicos possibilitam rodar o filme em câmara lenta, fazê-lo
avançar quadro a quadro, acelerar o seu ritmo e até paralisar um fotograma para
examiná-lo com detalhe. É possível, inclusive, suspender a apresentação para o
momento desejado.
Reizinho, de Otto Soglow, numa página: quadrinho mudo
Zé Caipora, de Angelo Agostini: legenda ao pé do quadrinho
Príncipe Valente, de Hal Foster: legenda ao pé do
quadrinho
Reco-reco, Bolão e Azeitona, de Luiz Sá: legenda na
cabeça, contida numa profusão de balões
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