2020 NUMA DISTOPIA DE 1973
Folha da Manhã, Campos dos
Goytacazes, 07 de abril de 2020
2020 numa distopia de 1973
Edgar Vianna de Andrade
Nos seus últimos filmes longos,
Charlton Heston, ator e ativista político, fez o papel principal em duas
distopias: “A última esperança da Terra (1971), já comentado, e em “O mundo de
2020”, “Soylent green” no original (1973). Se as utopias revelam esperança a de
um futuro promissor, as distopias revelam mal-estar na sociedade. Os séculos XX
e XXI vêm produzindo muitas distopias. Uma delas chegou a nós de forma real: a
pandemia causada pelo Corona vírus, que deve ganhar livros e filmes de ficção
tão logo seja superada.
O roteiro do filme baseia-se em
parte no livro “Make room! Make room!”, de Harry Harrinson. Mas o roteiro quase
passa a ser original. O ambiente é opressivo. Campo e cidade estão separados
por cercas inexpugnáveis. A grande maioria da população se concentra nas
cidades. O filme se passa em Nova Iorque, cidade que se parece muito com
qualquer outra. Ela é habitada por 40 milhões de pessoas, das quais 20 milhões
estão desempregadas, 7 milhões a mais que no Brasil atual.
O aquecimento global tornou o clima
insuportável. Em 1973, a Conferência de Estocolmo já havia sido realizada, mas
as mudanças climáticas ainda não representavam uma grande preocupação dos
cientistas. Imagens sugerem epidemias. A poluição tornava o ar irrespirável.
Água potável era uma raridade. Alimentos naturais e saudáveis também. Soylent,
uma grande empresa de alimentos, produzia uns tabletes verdes comestíveis que
vendia para a população, afirmado serem fabricados com algas.
Thorn mora com Sol Roth (Edward G.
Robinson), um hábil detetive aposentado. Idoso, ele sente saudade do mundo
antigo, com rios limpos, florestas, flores, animais selvagens, belezas naturais
enfim não mais conhecidas pelos novos. Nem mesmo Thorn acredita nele. Agora, o
mundo se tornou sujo e feio.
Em meio a esse ambiente
insuportável, a polícia ainda opera, embora em condições precárias. Um rico
empresário da Soylent Corporation é assassinado em seu luxuoso apartamento,
algo raríssimo na época. Embora protegido por um guarda costa e por uma
acompanhante de luxo, o assassino entra facilmente no apartamento e liquida o
ricaço.
Thorn é escalado para investigar o
caso. Os detetives aproveitavam essas oportunidades para praticar pequenos
furtos de artigos raros, como bebidas, frutas, carne e inclusive se aproveitar
das acompanhantes, que eram prostitutas de luxo tratadas como mobílias. Elas
costumavam ser vendidas junto com os imóveis. Thorn é competente, mas Sol é
mais ainda. Sem correr os riscos do seu colega mais novo, ele elucida o crime a
partir de livros, também artigo muito raro no ano de 2022, tempo em que se
passa o filme.
Desgostoso com a descoberta, Sol decide
morrer pelo método oferecido pela grande empresa: solução líquido injetada na
veia enquanto assiste a lindas paisagens e ouve música erudita. Cabe a Thorn
prosseguir a investigação e constatar que a Soylent fabricava seus biscoitos
verdes com carne de cadáveres humanos.
Por mais capitalistas que sejam os
norte-americanos, eles não simpatizam com os grandes conglomerados industriais
e financeiros, sempre conspirando para lucrar mais. O ambiente opressivo do
filme e a fabricação de alimento a partir de corpos humanos não agradou.
Assisti ao filme na época e me lembro desse mal-estar. Mas a catarse se
processa com a responsabilização de uma grande industrial. É um dos filmes que
mais se aproximam da realidade atual.
O filme foi dirigido por Richard
Fleischer, um dos grandes cineastas de Hollywood. Ele morreu em 2006 e tem em
seu currículo sucessos de público como “Vinte mil léguas submarinas (1954),
“Vikings, os conquistadores” (1958), Barrabás (1961), “Viagem fantástica”
(1966), “O extravagante Dr. Dolittle” (1967), “Tora, tora, tora” (1970) e
vários outros. Um currículo invejável.
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