NOVOS TEMPOS (FINAL)
Folha da Manhã, Campos dos
Goytacazes, 01 de março de 2020
Novos tempos (final)
Não importa que membros dos meios
científicos ainda se mostrem céticos em relação às mudanças climáticas. Este
ceticismo leva à inação e à repetição de protocolos antigos. Existe
conservadorismo na academia. Um pesquisador politicamente crítico pode adotar
postura conservadora em relação ao conhecimento. A ação de um cientista cético
não tem peso capaz de mudar a realidade. A população, em geral, pode acreditar
ou não. Seu peso é mínimo. Atitudes capazes de transformação se manifestam em
políticas públicas a serem colocadas em prática, pois a maioria vai para os
escaninhos dos gabinetes. Mesmo que governos individualmente ou em conjunto
coloquem em marcha políticas públicas de combate aos causadores das mudanças
climáticas, não será possível, em curto e médio prazos, uma redução
significativa dos gases responsáveis pelo efeito estufa. Querendo ou não, os
governos são cativos da economia de mercado, do crescimento econômico capitalista,
do Produto Interno Bruto.
Mesmo que a ONU conseguisse reunir
todos os seus membros numa ação coletiva e efetiva de combate ao aquecimento
global, os efeitos seriam percebidos apenas na longa duração. Portanto, as
ações coletivas para reduzir os gases do efeito estufa devem continuar, ainda
que insuficientes. Ao mesmo tempo, enquanto se mira o céu, deve-se também mirar
a terra. Para os cientistas, a coisa material é mais convincente do que o
invisível. O sentido da visão, privilegiado por Descartes, continua dominante.
Na terra, pode-se verificar que as áreas úmidas estão sendo drenadas, barradas,
transpostas, assoreadas, poluídas, eutrofizadas. Pode-se verificar que os
grande biomas e ecossistemas vegetais nativos estão sendo devastados. Pode-se verificar
que a fauna nativa sofre um longo processo de extinção que já dura 600 anos.
Pode-se verificar que a agropecuária intensiva avança sobre ecossistemas
nativos com implementos mecânicos, insumos químicos e monoatividade. Pode-se
verificar que, grande parte do espaço é ocupado por núcleos urbanos que
impermeabilizam o solo, sepultam e contaminam rios, criam ilhas de calor, geram
gases intensificadores do efeito estufa, tornam-se inviáveis quanto mais querem
ser viáveis ao trânsito, produzem resíduos sólidos em volumes descomunais,
desperdiçam alimentos e geram doenças.
Fica menos difícil promover mudanças
na terra que no céu. Mesmo assim, não podemos esperar mudanças de atitude para
breve que transformem o que o ser humano coletivamente construiu na terra de
maneira antiecológica. As copiosas chuvas que se precipitaram na região serrana
do Estado do Rio de Janeiro, em 2011, e Minas Gerais e São Paulo, em 2020,
revelaram que as cidades brasileiras estão despreparadas para as tempestades
cada vez mais virulentas. Com todas as medidas preventivas tomadas nos Estados
Unidos, os furacões evidenciam que as cidades não estão preparadas para a nova
realidade climática do planeta.
Os incêndios na Califórnia e na
Austrália estão surpreendendo a população e os governos, que se mostram
despreparados para enfrentá-los. As crises hídricas no Sudeste Brasileiro, na
África e até na Europa estão castigando milhares e mesmo milhões de pessoas. É
preciso mudar, mas é difícil mudar. A mudança é necessária porque chegamos a
uma situação limite que leva alguns cientistas a sustentar que uma nova fase
geológica está se iniciando. Ela até já foi batizada com o pomposo nome de
Antropoceno. As transformações invocadas para justificar uma nova fase
geológica existem. O discutível é que elas configurem um novo momento merecedor
de nome na escala geológica. Estamos vivendo uma crise ou a crise do Holoceno,
isso sim.
Enfim, não se deve esperar que um
evento sobre qualquer assunto resulte em mudanças profundas e imediatas. Um
evento é como uma aula: informa e forma, podendo acarretar transformações da
realidade ou não. Fui professor durante quarenta anos e me decepcionei com
minha profissão por meus alunos esquecerem quase tudo, o mesmo tudo, que
ensinei. Até mesmo por eles nunca terem aprendido nada. Ou por minhas
exortações sobre a importância da história terem caído em ouvidos moucos. A
culpa foi minha, inteiramente minha. Eu mesmo não percebia o sentido do que
ensinava. Eu não sabia para que servia a história e acho que ainda não sei.
Hoje, o conhecimento da vida das
sociedades através dos tempos me ajuda a compreender em que ponto da trajetória
humana nós estamos. Creio estar mais claro para mim em que contexto histórico
vivemos e quais são as tendências atuais. Entre os otimistas – liberais ou
socialista – existe a crença de que nunca vivemos num mundo tão bom porque não
vivemos mais guerras como a Segunda Guerra Mundial. Pois eu percebo que vivemos
duas guerras surdas em que morrem mais pessoas que numa guerra convencional: a
guerra gerada pelas desigualdades sociais, algo nunca vivido pela humanidade na
escala atual, e a guerra da humanidade contra a natureza, que já começa a
motivar reações virulentas da natureza contra nós. E parece que não estamos
interessados em selar paz com os pobres e com a natureza. Parece mesmo que
estamos acirrando irresponsavelmente essas duas guerras a conta-gotas. Estarei
enganado na minha avaliação?
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