UMA ESCRITORA CAMPISTA
Folha da Manhã, Campos dos
Goytacazes, 10 de janeiro de 2020
Uma escritora campista
Adélia Noronha
“Um beijo por mês” (São Paulo:
Luna Parque, 2018), o mais recente de livro de Vilma Arêas, foi considerado um
dos melhores de 2018 pela “Folha de São Paulo” e venceu o Prêmio Jabuti de 2019
na categoria “conto”. O Jabuti é um dos mais conceituados concursos literários do
Brasil. Não foi a primeira vez que ela foi premiada com este troféu. Só
consegui o livro pelas mãos da autora, quando ela veio proferir uma palestra na
Academia Campista de Letras, em 2019.
Trata-se de um livro pequeno,
com contos, crônicas, reflexões, breves poemas. Como sempre, é difícil inserir
os livros de Vilma numa categoria. Ela não tem a sofreguidão que parece assolar
outros escritores. Tenho a impressão de que os literatos se envolveram na
lógica de mercado, que exige deles regularidade na produção para não perderem o
assento. Se tenho dúvidas sobre esse aprisionamento da literatura ao mercado,
tenho certeza de que a música popular atual caiu nessa armadilha. Compositores,
melodias e artistas saem de moda com muita rapidez. Não sem razão, vários
sofrem de depressão, doença derivada pelas exigências de estar em evidência que
por disfunção química cerebral. E o mais grave é que produtores, produções e
divulgadores apresentam má qualidade no geral.
Vilma Arêas nasceu em Campos no ano de
1936 e, já na sua cidade natal, revelou pendor para a literatura. Aqui mesmo,
ela redigiu seus primeiros textos e ganhou seus primeiros prêmios. Tornou-se
professora do departamento de teoria literária do Instituto de Estudos da
Linguagem da Unicamp. Não foi a única campista a ingressar na prestigiosa
universidade brasileira. Carlos Eduardo Ornelas Berriel também faz parte dos
seus quadros e é um dos maiores estudiosos de utopias do mundo.
Vilma Arêas dedicou-se,
principalmente, ao estudo da obra de Clarice Lispector. Já demonstrou seu
conhecimento sobre a grande literata, publicando “Clarice Lispector: com a
ponta dos dedos” (2005). Sua carreira literária começou em 1972, com “Canção
dos neurônios”. Depois, vieram progressivamente “Partidas” (1976), “Na tapera
de Santa Cruz: uma leitura de Martins Pena” (1987), “A terceira perna” (1992),
“Aos trancos e relâmpagos” (1998), “Iniciação à comédia” (1990), “Trouxa
frouxa” (2000) “Vento sul: ficções” (2011) e “Um beijo por mês” (2018). Como se
vê, sua regularidade em publicar é confortável. Ou seja, ela não se sente na
obrigação de estar anualmente ou bianualmente nas livrarias com um novo
lançamento.
Enquanto interessada em autoras
regionais, ou seja, pelo menos nascidas no norte-noroeste fluminense, minha dívida
com Vilma Arêas é grande, pois dela li apenas “Vento sul” (São Paulo: Companhia
das Letras, 2011) e “Um beijo por mês”, seu livro mais recente. Notei que, em
“Vento sul”, a região de nascimento da autora está muito presente. O título
“Vento sul” já remete à região, sobretudo a baixada de Campos, onde vento sul
significa frio e chuva. Já em Thiers Martins Moreira, os ventos sul e nordeste
parecem personagens, tal o significado cultural de ambos. Vento sul indicando
frio e chuva. Vento nordeste indicando calor e tempo firme.
No conto “Thereza”, ela menciona
vento sul e rio Paraíba do Sul, cuja foz aparece no conto “habitar”. No conto “República
Velha”, a referência à freguesia de S. Salvador é indicação inequívoca de
Campos, que começou como freguesia, foi elevada à vila em 1677 e à cidade em
1835. Ela fala do Caboio, onde havia famoso grupo de Mana Chica da baixada. Volta
a referir-se a vento sul e escreve entojo, fresca do nordeste, casuarinas,
restingas, brejos e Macaé. Originalmente entojo, em termos de dicionário,
significa nojo que a mulher sente no período da gravidez; desejos extravagantes
de gestante, mas, na região norte fluminense, ganha sentido bem mais amplo. Rinha,
que também figura nesse conto, era muito comum na baixada até ser proibida. Veja-se
como ela aparece em “O coronel e o lobisomem”, de José Cândido de Carvalho.
O conto “linhas e trilhos”
parece ser o mais ambientado em Campos. A autora escreve: “O lugar também era
Matadouro, porque do mesmo modo tinha um abate perto do rio. A molecada andava
em cima do dique pra espiar. Eu também, embora fechasse os olhos na hora em que
os bois entendiam tudo, iam recuando, recuando. A Prefeitura mandou fazer o
dique por causa das enchentes.” De fato, o matadouro de Campos localizava-se
onde hoje erguem-se os prédios da UENF. Saturnino de Brito, em “Saneamento de
Campos”, relatório publicado em 1903, propõe normas para o funcionamento do
matadouro. Não creio procedente a informação de que o dique tenha sido erguido
pela prefeitura, mas não tenho como contestar. O detalhe não vem ao caso. Ela
volta ao Matadouro no conto “Paixão de Lia”, aludindo ao bonde sacolejante que
ligava o bairro ao centro da cidade. Também não sei se um lugar tão distante do
centro era servido pela linha de bonde.
Finalmente, em “Zeca e Dedeco”,
ela menciona restingas, pesca com puçás na beira da lagoa; ponte de madeira
esburacada sobre a lagoa; sol se escondendo atrás do mangue; catar mariscos nas
pedras; procurar tatuí nas dunas. Nenhum ficcionista tem obrigação de ser fiel
à geografia. Uma lagoa típica não comporta uma ponte, mas um rio transformado
em lagoa, sim. Se essa lagoa tinha mangue, bem podia ser a do Açu, de Iquipari
ou de Gruçaí. Nelas, uma ponte é perfeitamente cabível. Marisco nas pedras só a
partir de Macaé ou de Marataízes. Tatuí é indicativo de praia saudável, que
devia existir no tempo de criança e de adolescente da autora. Preciso ler
outros livros dela.
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