TRÊS RIOS NO SUL DO ESPÍRITO SANTO (III): BENEVENTE
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 16 de fevereiro de 2020
Três rios no sul do
Espírito Santo (III): Benevente
De modo geral, os rios na região
Sudeste correm do interior para a costa. Há exceções a essa regra. Existem rios
que correm para o interior, como o sofrido Tietê, até chegar ao mar por vias
complexas. O Benevente é o terceiro rio do sul do Espírito Santo que se
pretende examinar do ponto de vista histórico. Ele também foi ocidentalizado,
como quase todos os rios médios e grandes do Brasil. Ele tem apenas 80 km de
extensão, nascendo à cerca de 1440 metros de altitude. Por aí, pode-se avaliar
a sua declividade.
Como o Itapemirim e o Iconha, toda a
sua pequena bacia era coberta de florestas, restando delas ainda alguns
vestígios. Na foz, estende-se um vigoroso manguezal. Para os primeiros colonos,
parecia impossível subir o seu vale. As florestas e os índios os assustavam.
Então, eles se limitaram à foz. Nela ergueu-se Benevente, um dos mais antigos
núcleos coloniais, datando do século XVI. Ali, foi fundado um convento em que o
missionário José de Anchieta viveu parte de sua vida. Pouco mais acima do rio,
os Jesuítas construíram um convento, restando dele apenas ruínas atualmente.
Ao passar pelo local, em 1815, o
príncipe alemão naturalista Maximiliano de Wied-Neuwied escreveu: “Cavalgamos
por uma região montanhosa, com matas e campos alternados, e chegamos, à tarde,
a uma última elevação, à beira do rio Benevente, donde súbito descortinamos
formoso panorama (...) a Vila Nova de Benevente; à direita, o espelho azul do
oceano, e, à esquerda, o rio Benevente, que se espraia como lago; em derredor,
soberbas e sombrias matas e, atrás destas, montanhas rochosas fechando o
horizonte.” A esse tempo, o rio era mais conhecido pelo nome de Reritiba, que,
em tupi, significa muitas ostras. A paisagem encantou tanto a Maximiliano que
ele a registrou num desenho sem retoques posteriores.
Desenho da foz do rio Benevente feito por Maximiliano de Wied-Neuwied em 1815. Notar o desmatamento na margem direita e a urbanização na margem esquerda
Auguste de Saint-Hilaire passou pelo
mesmo local em 1818, atravessando o rio de canoa, enquanto os animais de carga
e de montaria o atravessaram a nado. O naturalista francês ficou encantado com
o rio e com as matas. Pouco a pouco e por diversos caminhos os colonos foram
subindo a bacia, tanto derrubando as exuberantes florestas para obtenção de
lenha e madeiras nobres, tanto para plantar café, principalmente. Novas levas
de imigrantes europeus, principalmente italianos, chegaram ao Espírito Santo e
subiram as encostas, erguendo fundações urbanas.
Foz do Benevente, que tanto encantou Saint-Hilaire. À direita, o mar; à esquerda, o rio.
Em seu pioneiro “Dicionário
geográfico, histórico e descritivo do Império do Brasil”, cuja edição data de
1863, Milliet de Saint-Adolphe registra a vila de Benevente e o rio de mesmo
nome como “chamado dos Índios Iriritiba, e por corrupção Reritigba. Nasce na
cordilheira dos Aimorés, ao norte do rio Piúma, corre em direitura para leste
por espaço de 10 léguas, regando o distrito da vila de Benevente até lançar-se
no oceano junto da dita vila. Sua embocadura oferece um bom porto aos navios
mercantes, as canoas vão e vêm continuamente de Benevente ao porto distância de
3 léguas, e vão pelo rio acima até passar a povoação que chamam também
Reritigba.”
O rio foi o primeiro caminho para o
transporte de toras, malgrado suas quedas d’água, até o porto, onde eram
exportadas. Também em parte por ele, os carregamentos da produção agrícola
desciam da serra. Não havia ainda caminhos que permitissem o transporte de
grandes cargas.
Era inevitável o conflito entre
colonos e povos indígenas. Em 1878, D. Pedro II enviou ao Espírito Santo o
engenheiro e político Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves, então ministro da
colonização do Império. Em homenagem a ele, o povoado erguido na nascente do
rio Benevente, e que se tornou cidade mais tarde, foi batizado com o nome de
Alfredo Chaves, hoje com uma população em torno de 15 mil habitantes.
Aspecto do rio Benevente durante a estiagem. Cercanias de Alfredo Chaves
Por cima, no céu, as atividades da
economia de mercado ocidental, hoje globalizada, provocou mudanças climáticas. Por
baixo, na terra, fragilizou os ecossistemas. Alfredo Chaves ergue-se numa
depressão junto à nascente do Benevente. A serra foi desmatada para abrir
terreno ao café, que gerou erosão e assoreamento. Chuvas torrenciais no início
de 2020 arrasaram cidades do Sudeste Brasileiro. Ao que se saiba, nunca choveu
tanto no vale em que se situa Alfredo Chaves, uma das cidades mais destruídas
do sul do Espírito Santo.
Alfredo Chaves, perigosamente erguido num vale irrigado pelo rio Benevente e cercado de montanhas devastadas
Não apenas São Paulo, Rio de Janeiro
e Belo Horizonte, as três grandes metrópoles da região Sudeste, expandiram-se
sobre rios, impermeabilizando o espaço, produzindo esgoto e lixo. Até mesmo as
médias e pequenas cidades, como Muriaé, Itaperuna, Porciúncula, Cachoeiro do
Itapemirim, Iconha, Castelo, Vargem Alta e tantas outras cresceram num tempo de
estabilidade e previsibilidade climáticas. Agora, entramos num tempo em que o
novo normal é imprevisível e destruidor. As chuvas e as secas se alternam,
castigando principalmente as grandes cidades, mas também as pequenas, como
Alfredo Chaves.
Enchente devastadora em Alfredo Chaves
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