TRÊS RIOS NO SUL DO ESPÍRITO SANTO (II) ICONHA
Folha da Manhã, Campos dos
Goytacazes, 02 de fevereiro de 2020
Três rios no sul do Espírito
Santo (II) Iconha
Voltemos 200 ou 100 anos à bacia
do rio Iconha. Não é preciso mais que isso. Ele é um rio pequeno, com apenas 24
quilômetros de extensão. Sua nascente situa-se a 800 metros de altitude, o que
confere ao rio pequeno uma forte declividade. Isso significa águas sujeitas a
corredeiras. Sua bacia também é reduzida, com poucos afluentes e rede de
drenagem. Duzentos anos atrás, a bacia era coberta por florestas. Sua foz, no
mar, era revestida por pujante manguezal. Embora Maximiliano de Wied-Neuwvied e
Auguste de Saint-Hilaire tenha passado por sua foz em 1815 e 1818,
respectivamente, a descrição de ambos nos permite extrapolações.
Havia chuvas torrenciais
extraordinárias na bacia? Sim, havia de tempos em tempos. É o que se chamava
antigamente de cheias seculares. Pressupunha-se um regime hídrico regular com
alterações pra mais ou pra menos de tempos em tempos. As florestas regulavam o
regime hídrico. Elas retinham água quando chovia, reduzindo as cheias, e
liberavam água para os rios da bacia no tempo das estiagens.
A primeira grande transformação
começou com o desmatamento para a obtenção de lenha e madeira. Ganhava-se
dinheiro pelos dois lados. Lenha e toras eram vendidas. As áreas abertas eram
cultivadas. Os franceses instalaram, em 1730, um farol na ilha que levou o nome
de Franceses, como várias outras no litoral brasileiro. Talvez já houvesse o
abastecimento de água na foz do Iconha e a exploração de madeira na costa. Ao
passar pela futura Piúma, em 1815, o príncipe naturalista Maximiliano de
Wied-Neuwied anotou no seu diário de viagem: "Passamos, perto de
Agá, pela povoação de Piúma, ou Ipiúma, onde um riacho do mesmo nome, navegável
apenas por canoas, deságua no mar. Existe, nesse lugar, uma ponte de madeira de
trezentos passos de comprimento, assentada no ponto de maior largura do riacho,
verdadeira raridade nessas paragens. As margens são cobertas de vegetação
densa, e a água escura, cor de café, como a maioria dos córregos de mata e dos
pequenos rios da região."
Em
1815, portanto, já existia o povoado que daria origem à cidade de Piúma atual. O
registro do príncipe confirma minha tese, óbvia por sinal, que a colonização
europeia do Brasil começou pela costa. Só no século XIX, ela alcança o
interior, com exceção de Minas Gerais. O inglês Thomaz Dutton Jr., que fez
fortuna com o Barão da Lagoa Dourada, em Campos, requereu e ganhou terras no
sul do Espírito Santo. Ele construiu um trapiche em Piúma e se enriqueceu mais
ainda exportando madeira nobre para a Europa. As toras desciam em balsas
conduzidas pelos índios puris, assim como nos rios Pomba e Paraíba do Sul, como
relata Hermann Burmeister, outro viajante. Dutton trouxe sua família e colonos.
Os
portugueses José Gonçalves da Costa Beiriz e Antonio José Duarte formaram uma
firma que entrou em conflito judicial com o inglês Dutton e o venceram. Ambos
trouxeram famílias italianas para o local que daria origem à Iconha. Logo
libaneses chegaram ao lugar. A fundação do povoado de Iconha é atribuída aos
dois portugueses. Não ao inglês.
Quem examina
o vale do rio Iconha, nota que os pontos mais urbanizados são justamente Iconha
e Piúma. Esta segunda localidade foi elevada a município em 1891, desmembrada de
Anchieta, chamada na época de Benevente. Mas, em 1924, Piúma e Iconha passam a
formar um só município.
Examinando
um mapa da cidade de Iconha, nota-se como ela estrangulou o rio que lhe deu
nome. Não houve qualquer respeito às faixas marginais de proteção. Várias casas
estão debruçadas no pequeno rio. Esgoto doméstico e lixo são lançados em suas
águas. Na Europa, também ocorreu a urbanização intensiva das margens de rios. A
diferença é que, lá, a colonização é anterior à chegada dos europeus à América,
o regime fluvial não apresenta as mesmas características dos rios tropicais e o
descarte de desejos, terminantemente, não pode ser feito nos rios.
Além de estrangulado
pela cidade de Iconha, o rio está entupido de lixo. As intensas chuvas que
caíram no sul do Espírito Santo provocaram muitos estragos em Iconha. Não
simplificarei o problema causado pelas chuvas culpando o desmatamento, o
estreitamento do rio e a impermeabilização da cidade. O problema é mais grave e
mais complexo. As chuvas estão se tornando arrasadoras. Elas estão surrando as
cidades, que não estão preparadas para enfrentar a coça impiedosa do clima. As
cidades ergueram-se de forma irresponsável mesmo antes das atuais mudanças
climáticas. Basta ver os casos da cidade de São Paulo, que estrangulou o rio
Tietê e outros, e de Belo Horizonte, que transformou o rio Arruda numa vala
concretada.
Os
municípios contam com verbas para atenuar os impactos das enchentes, mas é
pouco. Torna-se mais insuficiente ainda com o agravamento do problema pelas mudanças
climáticas. E o pior é que essas verbas não são convertidas em obras capazes de
minorar os problemas. Assim, a destruição causada pelas chuvas gera apenas
reclamações imediatistas de moradores, a morte de pessoas e ações paliativas da
defesa civil e da população.
Em Piúma, o
problema não foi tão impactante, por estar a cidade na beira do mar e por ter o
poder público aberto um canal auxiliar no rio para escoamento das águas
fluviais. Do ponto de vista ambiental, não tenho condições de avaliar os impactos
desse canal. Piúma apenas recebeu o lixo e os móveis arrastados pelo rio
Iconha.
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