TRÊS RIOS NO SUL DO ESPÍRITO SANTO (I) ITAPEMIRIM
Folha da Manhã, Campos dos
Goytacazes, 26 de janeiro de 2020
Três rios no sul do Espírito
Santo (I) Itapemirim
Fica difícil inverter a ordem e
demonstrar que os rios Itapemirim, Iconha e Benevente não ficam no sul do
Espírito Santo, mas que a capitania, província e estado do Espírito Santo, ao
longo do tempo, constituiu-se envolvendo vários rios que já existiam quando os
europeus, representados pelos portugueses, chegaram a um continente que
batizaram de América.
Dedico-me ao estudo das relações das
sociedades humanas anteriores à chegada de Pedro Álvares Cabral e das
sociedades de origem europeia e africana com o ambiente físico e biológico
entre os rios Macaé e Itapemirim, área que denomino de ecorregião de São Tomé
pela unidade ecológica, econômica, política e cultural que apresenta. Estendo
os limites dessa ecorregião à zona serrana. Meus estudos se concentram mais nos
tabuleiros e nas planícies da ecorregião. Ultrapassei os limites estabelecidos
e penetrei ao sul do rio Macaé, chagando à Região dos Lagos. Ao norte,
ultrapassei o rio Itapemirim, chegando ao rio Jucu. Para o interior, avancei
até a Zona da Mata, em Minas Gerais. Mas reconheço minhas limitações no
conhecimento das áreas além dos meus limites originais. Contudo, elas não me
são estranhas.
O Itapemirim é um pequenino rio com
nascente na serra do Caparaó e foz no Oceano Atlântico, numa extensão de cerca
de 200 quilômetros. A bacia também é pequena. No século XVI, com a instituição
do sistema de capitanias hereditárias, ele foi usado como limite entre as
capitanias de São Tomé e Espírito Santo por acordo firmado pelos donatários de
ambas e reconhecido pela Coroa portuguesa. Há autores que defendem a existência
da vila de Santa Catarina das Mós em sua foz como segunda sede da capitania de
São Tomé.
Ainda no final do século XIX, a
bacia contava com grande cobertura florestal, como informa o naturalista Manoel
Basílio Furtado, mas já havia marcas de desmatamento. A vila de Itapemirim, na
foz do rio, data do século XVIII. A cana foi o primeiro cultivo da bacia,
substituído pelo café e pelo eucalipto, além da pecuária e da mineração.
Atualmente, 17 municípios se formaram em sua bacia, sendo um em Minas Gerais. O
desmatamento reduziu a grande floresta estacional a amostras vestigiais. A
urbanização se intensificou no século XX e continua crescendo no século XXI.
Cachoeiro do Itapemirim é o maior centro urbano existente na bacia. Urbanização
implica em aumento populacional e em poluição, pelo menos em países pobres.
O desmatamento em larga escala pela
agricultura e pecuária está associado à erosão, ao assoreamento e às profundas
alterações no regime hídrico. As enchentes e estiagens no rio Itapemirim são
ilustrativas desse processo. Embora existam projetos de reflorestamento, eles
ainda se mostram insuficientes para contrabalançar os danos causados pela
agropecuária ao longo dos séculos.
Ilustrativa é também a enchente que
afetou a bacia, ou parte dela, recentemente. Em 1815, saindo do Rio de Janeiro
rumo a Salvador na primeira grande expedição científica europeia pela costa
brasileira o príncipe naturalista alemão Maximiliano de Wied-Neuwied, na foz do
Itapemirim, fez um apontamento interessante: "O rio, no qual se viam
alguns pequenos brigues ancorados, é muito estreito, mas comporta certo
comércio de produtos das plantações, como açúcar, algodão, arroz, milho e
madeira das florestas. Um temporal, que desabou na serra, veio mostrar-nos quão
rápida e perigosamente sobem na zona tórrida; porque o rio se tornou logo tão
caudaloso, que quase transbordou: aliás, tem sempre correnteza maior que o
Itabapoana." Maximiliano observou um fenômeno parecido ao que se denomina
hoje de cabeça d´água. Lembremos que, em 1815, a cobertura florestal era
extensa. Cheias sempre ocorreram, mas sua capacidade destruidora foi acentuada
por ação humana em dois séculos.
O príncipe fala também em extração
de madeira e na agricultura. Devemos considerar que as estiagens e as enchentes
estão se tornando cada vez mais acentuadas por conta das mudanças climáticas.
Elas não decorrem de causas naturais e sim do adensamento do acúmulo de gases
causadores do efeito-estufa liberados por atividades humanas. Chuvas muito
fortes, como as que se abateram no sul do Espírito Santo em janeiro de 2020,
são resultado da ação humana coletiva em todo o mundo. Ao se precipitarem, as
águas pluviais encontram um ambiente propicio a transbordamentos, alagamentos e
enchentes.
Na bacia do Itapemirim, o caso
mais ilustrativo foi o de Vargem Alta. A cidade ergue-se num vale que canaliza
a água e arrasta tudo, como sugere o nome de vargem em altitude. A água
precipitada do céu é muito volumosa para pequenos rios desprovidos da esponja
florestal. Só se pode mesmo esperar transbordamentos. Não se fala mais em cheia
e sim em enchente. As cheias eram naturais e anuais. Eram também previsíveis.
As enchentes, por sua vez, são irregulares. Elas podem acontecer com intervalo
de muito anos, assim como as estiagens, que tendem a ser mais frequentes.
Cachoeiro do Itapemirim ilustra bem os dois fenômenos.
Uma solução para as mudanças
climáticas é problemática porque deve derivar de uma decisão mundial e se
processar lentamente. Não tenho esperança nessa solução. O que se pode fazer
localmente é preparar-se para a violência das variações climáticas, o que não
se pode providenciar da noite para o dia. Além do mais, parece que os governos
locais não estão preparados para agir a médio e longo prazo.
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