RIOS DE PORTUGAL 5: TEJO


Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 19 de janeiro de 2020

Rios de Portugal 5: Tejo

            Entre o Lis e o Tejo, encontra-se a lagoa de Óbidos, típica lagoa costeira, sendo o rio Arelho seu principal afluente. Ela se comunica com o mar por um canal dinâmico, ora aberto ora fechado. Ela padece de assoreamento e é periodicamente dragada. A fauna aquática e a avifauna ainda são diversificadas. A pesca é a principal atividade, sobretudo a mariscagem, ao lado do turismo.

            Chagamos ao famoso Tejo, de cuja foz partiram os navegadores portugueses em direção ao mundo no século XV, dando início à globalização ocidental e capitalista. Ele nasce na Espanha a 1600 metros de altitude e percorre cerca de 1000 quilômetros até chegar ao mar. É o mais extenso rio da Península Ibérica e, mesmo assim, menor que o Paraíba do Sul. Sendo o mais longo, não é o que tem maior bacia. Ele fica atrás do Douro e do Ebro.

            Costuma-se chamar de estuário do Tejo o que é uma reentrância da costa, como as rias da Galícia. Estuário não é sinônimo de foz. Estuário é um ecossistema formado pelo encontro da água doce com a água salgada. É claro que a água do Tejo se mistura com a do mar nessa reentrância, mas nela predomina a água salgada. Essa enseada é larga e profunda, permitindo a navegação e a ancoragem de embarcações de grande calado. O rio Tejo, propriamente, não pode receber navios de grandes dimensões. O verdadeiro estuário situa-se no encontro do rio com essa enseada.

            A ocupação da bacia do Tejo por grupos humanos é muito antiga. Antes dos romanos, ali viviam povos nativos, também eles imigrados de vários lugares. O império romano erigiu cidades e grandes obras onde hoje existem Espanha e Portugal. O nacionalista acredita que o seu país e a sua língua existem desde sempre e para sempre. Ele minimiza a construção histórica de um país, a menos que engrandeça a visão nacionalista. A formação dos dois países ibéricos se deve a cristãos, mas não se pode esquecer a grande contribuição muçulmana. Uma história muito antiga e densa pode paralisar um povo. Pelo menos em Portugal, que conheci um pouco mais que a Alemanha e Espanha, noto uma postura ambígua do seu povo, quer de conservadores quer de progressistas: o que fazer com a história do país? Exaltá-la ou repudiá-la? O poeta português Jorge de Sena tem um poema de ódio ao seu país. Camões, de um amor irrestrito.

            Uma história longa e pesada pode mesmo atordoar. Poucos olham para o presente e o futuro do Tejo. No âmbito de sua bacia, os rios foram ultrapassados por pontes desde o tempo da dominação romana. Uma ponte causa menos impacto que uma barragem. A bacia do Tejo está repleta de barragens. São quase 40. A degradada bacia do Paraíba do Sul não é tão explorada assim. O desenvolvimento da agropecuária levou à construção de represas para acúmulo de água com fins de irrigação.

            Muitos núcleos urbanos ergueram-se nas margens dos rios formadores da bacia do Tejo, tanto na Espanha quanto em Portugal. Seria longo e ocioso enumerá-los. A maioria é muito antiga. Eles demandam água para o abastecimento público. Como no Paraíba do Sul, as águas do Tejo foram transpostas para o rio Segura, envolvido totalmente no interior do território espanhol. O sistema é chamado de Transvase Tejo-Segura.

Senti-me em casa com essa transposição. Ela me evocou imediatamente a transposição Paraíba do Sul-Guandu, em Santa Cecilia. Mas existem diferenças: o Tejo desemboca no oceano Atlântico, enquanto o Segura desemboca no mar Mediterrâneo, que é formado pelo Atlântico. O Paraíba do Sul corre todo num território que se denominou historicamente de Brasil. Em sua bacia, formaram-se três capitanias, depois províncias e hoje estados. A bacia do Tejo foi esquartejada por Espanha e Portugal.

Mas existe uma resultante similar à nossa. A transposição, com vistas à irrigação e ao abastecimento público em área com forte turismo, pode retirar até 70,29% de água do Tejo. O rio se recupera parcialmente com a contribuição de afluentes, como aqui, mas, na altura de Aranjuez, ainda na Espanha, a vazão cai para menos de 6 m³/s, limite mínimo estabelecido, a conhecida vazão (caudal) ecológica. A vazão da bacia depende das chuvas e do derretimento de neve e chega ao seu máximo em março. A construção de barragens, reservatórios e a transposição abalaram profundamente a bacia. Existem ainda agravantes: a poluição das águas e a refrigeração das centrais nucleares espanholas de Trillo e Almarez e das centrais térmicas de Aceca (Espanha) e de Pego (Portugal).

Apesar da criação, em 2000, do Parque Natural do Alto Tejo, e da Reserva Natural do Estuário do Tejo, 1916, para a proteção de várias espécies de aves, a bacia tejana agoniza com a perda de vazão e com a poluição, acarretando graves consequências para a biodiversidade e mesmo para os humanos. Golfinhos deixaram de frequentar a foz por causa da poluição.

Em termos históricos, a atitude de repúdio ou de nostalgia não basta. Deve-se partir do que existe, planejar para o futuro e adotar uma nova postura diante da natureza. Lá e aqui. No mundo todo, aliás.

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