RIOS DE PORTUGAL 3: MONDEGO
Folha da Manhã, Campos dos
Goytacazes, 05 de janeiro de 2020
Rios de Portugal 3: Mondego
O rio Mondego pareceu-me muito
familiar. Embora com de 260 quilômetros de extensão, ele me lembrou o Paraíba
do Sul, que é cerca de quatro vezes mais comprido. Assim como o Paraíba do Sul,
seu curso pode ser dividido em três grandes estirões. Nascendo a 1525 metros de
altitude, ele corre inteiramente dentro de território português. Melhor dizendo:
a organização do Estado de Portugal englobou totalmente a bacia do Mondego. Da
nascente a Penacova, ele flui em planalto cristalino. De Penacova a Coimbra,
corre num vale apertado e sinuoso. De Coimbra à foz, por 40 quilômetros, o rio
atravessa terrenos aluviais numa declividade de 40 metros. Desemboca no mar por
uma só foz, depois de se dividir em dois braços, formando a ilha de Murraceira.
Rio Mondego em Penacova
Em sua grande bacia, a precipitação
pluviométrica é intensa, alcançando a média anual de 1.233 mm, sendo sua vazão
média anual de 108,3 m³/s. Na planície aluvial, as extensas e férteis áreas
úmidas são propícias ao cultivo do arroz, cuja produção é uma das maiores da
Europa. Em vez do gado e da cana, o arroz seria mais apropriado para a planície
aluvial do Paraíba do Sul. Inclusive, há estudos a respeito. Pelo menos, não seria
necessária a excessiva drenagem que ela sofreu. As cheias no rio Mondego são
registradas desde o século XIV. O registro das maiores está em Coimbra, nos
anos de 1331, 1788, 1821, 1842, 1852, 1860, 1872, 1900, 1915, 1962, 1969 e
1979. Em dezembro de 2019, ocorreu mais uma, com o rompimento de dois diques em
Montemor-o-Velho. Costuma ser curto o tempo entre as grandes precipitações e as
enchentes. A recorrência das cheias era de 50 anos. Agora, é de 20 anos. Por
que? Pensemos nas mudanças climáticas.
Rio Mondego em Coimbra
Era possível navegar da foz a
Coimbra no passado. Há notícias dessa navegação pelos fenícios e pelos romanos.
Grandes embarcações alcançavam a transição da planície com o planalto. As
menores conseguiam chegar a Penacova e permitiam movimentar uma economia de
grande e pequeno porte. A pratica secular da agropecuária nas margens dos rios
da bacia implicou na remoção das matas, na erosão e no assoreamento. No século
XVIII, o assoreamento era claramente percebido. O cálculo é que o leito do rio
ficou seis metros mais alto nos últimos 600 anos. Já no século XVIII foi
concebido um plano de canalização do Mondego a jusante de Coimbra. Abriu-se um
novo leito entre 1781 e 1807. Pensou-se o mesmo para o Paraíba do Sul, para o
qual concebeu-se um rio paralelo, com o desvio do Muriaé, seu último afluente,
até o mar. O projeto não foi executado.
Poluição do Mondego em Coimbra
Tanto lá quanto cá, o resultado das
intervenções foi o assoreamento. Nos anos de 1960, formulou-se o Plano Geral de
Aproveitamento Hidráulico da Bacia do Mondego, implementado nas décadas de 1970
e 1980. Hoje, o rio corre em canal artificial de Coimbra à foz. Foram
construídos diques na extensão de 7,7 quilômetros. Foram dragados 16 km³. As
barragens de Aguieira, Raiva, Fronhas e do Caldeirão regularizaram as águas do
rio e as escravizaram para a geração de energia elétrica. Procura-se reservar
águas de chuva por meio de açudes, dos quais o mais importante é o de Coimbra.
Enchente do Mondego em Coimbra
A bacia foi colocada a serviço da
agricultura, da pecuária, da indústria, da geração de energia, da urbanização e
do abastecimento público de água. A bacia do Mondego é uma das mais exploradas
de Portugal. A canalização do rio gerou o que popularmente se chama no Brasil
de rio morto, ou seja, um canal ativo e um trecho abandonado. Na foz, foram
construídos guias-correntes, o que desalinhou a costa, com engordamento da
praia do lado direito e emagrecimento dela do lado esquerdo. Lembrei de Barra
do Furado. Aproveitando parte do braço morto, foi construído uma grande marina
para favorecer a pesca, a extração de sal e o turismo. Figueira da Foz, cidade
erguida no estuário, tornou-se um dos mais movimentados entrepostos de
Portugal.
Aspecto bucólico do Mondego
Apesar de todas as intervenções
humanas no rio Mondego e sua bacia, o trecho serrano dele ainda apresenta boa
qualidade da água. O excessivo barramento, contudo, empobreceu a ictiofauna. Já
o estirão sedimentar apresenta comprometimento da qualidade hídrica. Esse
trecho já está salinizado. Novamente, senti-me em casa. Mesmo assim, no baixo
Mondego os remanescentes de matas de choupos, ulmeiros e salgueiros
justificaram a criação da Mata Nacional do Choupal, nas imediações de Coimbra,
onde se encontra a maior colônia de nidificação da ave milharfe-preto em toda a
Europa. Apesar da profunda desfiguração da foz, a presença de significativa
diversidade de aves, que ali se reproduzem e se alimentam, justificaram a
criação de um Sítio Ramsar. UENF, UFF e a antiga FEEMA esforçaram-se em vão
para a criação de um Sítio Ramsar no baixo Paraíba do Sul.
Pequena barragem no Mondego
Enfim, examinei o rio na altura
de Coimbra e notei que ele está poluído por matéria orgânica e resíduos
sólidos. O rio continua belo para os humanistas estritos porque foi cantado em
prosa e verso por Sá de Miranda, Camões, António Nobre, Eugénio de Castro e
Miguel Torga. O fado de Coimbra também o louva. Esses cantos referem-se ao
passado e, mesmo assim, talvez idealizem o rio. Os cantos atuais seriam
repletos de dissonâncias.
Dique no Mondego
Maré baixa na foz do Mondego
Enchente no baixo Mondego
Foz do Mondego em Figueira da Foz
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