O PLANO... QUAL É O PLANO?


Campos dos Goytacazes, 31 de janeiro de 2020

O plano... qual é o plano?

Arthur Soffiati

            Todas as estradas federais, estaduais e municipais no Brasil são problemáticas por ignorarem o terreno e os sistemas hídricos que cortam. A BR-356 não foge à regra. Não escreverei um artigo acadêmico sobre ecologia de estradas, ramo da ciência que está em voga. Vou tratar do assunto como colaborador da imprensa.

            Em janeiro de 2020, a estrada rompeu ou foi invadida pela força de rios ou pelas águas das enchentes, que surraram a BR-356 em vários pontos dela. Em Ervália, Minas Gerais, houve dois rompimentos antes do dilúvio que assola a Região Sudeste. Delimito o território em análise entre Campos e Laje do Muriaé, onde a rodovia corta terrenos de tabuleiros e de serra. Fico também com o rompimento da estrada em Três Vendas, em 2012, comparando-o com a situação de janeiro de 2020.

            Em 2012, o rio Muriaé encheu, arrebentou o dique da margem esquerda na altura de Três Vendas, avançou como um tsunami, segundo descrição de uma senhora moradora na localidade, chocou-se contra a BR-356 e a rompeu. As águas revoltas passaram para o outro lado da estrada e inundaram Três Vendas.

            As águas do Muriaé também subiram o rio da Onça, em Outeiro, e abriram uma brecha no dique que o separa da lagoa da Onça. Como sempre, houve muita correria do Ministério Público Federal, da Defesa Civil Estadual, da Prefeitura de Campos e dos políticos. Três Vendas parecia um lugar de romaria ou de guerra. Políticos de todos os partidos visitavam o local, que também era sobrevoado por helicópteros. A maioria não estava interessada no desastre. Apenas queria mostrar uma falsa solidariedade contribuindo com donativos.

            O Inea reconstruiu o dique garantindo que ele estava tão reforçado que poderia receber um bombardeio atômico. O mesmo Inea assegurou que a lagoa da Onça não era lagoa, mas terras agrícolas. Houve quem sustentasse que as terras secas da lagoa mantinham muitos pequenos produtores. Isso em audiência do Ministério Público Estadual, que acabou acreditando e aceitando o domínio de dois ruralistas.

            O DNIT reconstituiu a estrada, colocando manilhas tubulares e celulares sob ela. Não confiando nas garantias dadas pelo Inea, o DNIT cuidou da estrada e tão somente da estrada. Se outra enchente a atingisse, a água passaria por baixo dela e inundaria Três Vendas. O órgão federal não teve nenhuma preocupação social. Apenas técnica.

            Por sua vez, Luiz Fernando Pezão, então vice-governador do Estado do Rio de Janeiro, anunciou um plano para defesa contra as enchentes nos rios Pomba e Muriaé. Neste segundo, o plano consistia em construir um canal de derivação de parte das águas do rio por trás de Laje do Muriaé, Itaperuna e Italva, voltando ao rio abaixo dessas cidades. Em Cardoso Moreira, seria erguido um dique superpotente. No rio Pomba, as pedras de seu leito seriam detonadas.

            A licitação chegou a ser promovida. Quatro empresas, algumas envolvidas na Operação Lava Jato posteriormente, concorreram. Mas um jornalista descobriu que era tudo um jogo de cartas marcadas. A licitação foi fraudada. As empresas combinaram entre si que a vencedora associaria a segunda no caso do norte/noroeste fluminense e que as outras duas ficariam com obras em Jacarepaguá. O jornalista divulgou discretamente o resultado antes do seu anúncio oficial nos classificados de um pequeno jornal da Baixada Fluminense. A licitação foi anulada e não se falou mais no assunto.

            Oito anos depois, em 2020, o rio Muriaé transborda novamente, arrebenta o dique de Boianga, o mesmo preparado para enfrentar uma guerra nuclear, e se dirige para a BR-356, passando pelos bueiros sob ele e ameaçando Três Vendas. Mais que depressa, a prefeitura começou a tamponar os bueiros com pedras e barro.

            Tratava-se de ações emergenciais a serem tomadas. Reconhecemos a sua importância. Mas o fechamento dos bueiros contraria os objetivos do DNIT. Manter os bueiros abertos é uma ameaça a Três Vendas. Eis o dilema: deixar os bueiros abertos permite a chegada de água a Três Vendas. Com o fechamento dos bueiros, a água pode exercer pressão sobre a estrada e a romper. A menos que eles sejam tapados no verão e destapados nos meses de estiagem. Seria uma operação bizarra e não afastaria o risco de rompimento.

            Então, eu pergunto: qual o plano dos poderes públicos para conter a fúria do Muriaé, a integridade da BR-356, a localidade de Três Vendas e a lagoa da Onça? Um plano a médio e longo prazos?   

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