FALTA DE CRITÉRIO: MAIS OU MENOS TERROR


Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 14 de janeiro de 2020

Falta de critério

Edgar Vianna de Andrade

            Não há critério, entre estudiosos e críticos de cinema, para identificar um filme de terror. Eu construí o meu: terror é, antes de tudo, um drama, podendo, em alguns casos, ser comédia. Estes os dois gêneros básicos dos quais derivam os outros. Há o terror metafórico, que tem sido bem representado atualmente. É o filme que usa o terror como metáfora a fim de ocultar a realidade material. “Nós”, de Jordan Peele, é um exemplo. Mas o bom terror provoca medo por meio do sobrenatural

            Ficção científica e suspense não devem ser classificados como terror. A caixa “Obras-primas do terror 11” (Versátil) traz seis filmes: “Possessão”, “O cremador”, “Um longo fim de semana”, “Patrick”, “A rena branca” e             “Laurin”. De todos, “Possessão” (1981), de Andrej Zulawski, cineasta polonês, é o mais característico de terror. Ele traz a bela e talentosa Isabelle Adjani no papel principal. É sempre um prazer revê-la. Casada, ele se envolve com outro homem e começa a manifestar comportamento muito estranho. A narrativa fílmica foge aos padrões de Hollywood e nos tira do conforto. Na verdade, ela se envolve com uma entidade demoníaca, com quem tinha relacionamento sexual e para quem matava pessoas cuja carne o alimentava. Resumido assim, parece um filme facilmente digerível, mas o roteiro vai assumindo caráter hermético, com conclusão alongada.

            “O cremador” (1969), do checo Juraj Herz, é filme de arte bastante influenciado pela “Nouvelle vague”, mas passa longe do terror. Durante a Segunda Guerra Mundial, numa Checoslováquia ainda não invadida pela Alemanha, o dono de um crematório é cortejado pelo nazismo e aceita a corte, passando a ser um cremador de guerra. É o que tudo indica, embora a mudança não seja retratada com explicitude. Estranho, mas bom chefe de família, amigo e pacifista, o cremador se revela frio e cruel. A edição e montagem do filme desloca o espectador. O diretor de fotografia usa frequentemente uma câmara olho de peixe, distorcendo imagens. Rapidez e deslocamentos repentinos também nos tiram da zona de conforto. Mas creio que o roteiro poderia ser mais enxuto.

            “Um longo fim de semana” (1978), do australiano Colin Eggleston, flerta com o trash. Um casal em crise passa um último fim de semana antes da separação entre o mar e a floresta na Austrália. Coisas estranhas acontecem. Animais se rebelam contra os dois. Parece imitação de “Os pássaros”, clássico de Hitchcock. Ambos acabam mortos. O grande incêndio que assola a Austrália atualmente é real e muito mais assustador que o filme.

            “Patrick” (1978), de Richard Franklin, é, como o próprio diretor reconhece, uma versão de “Carrie, a estranha”. Patrick matou a mãe e o amante dela. Sendo agredido pela polícia, mergulha em coma profundo e é internado. Suas funções mentais subterrâneas estão preservadas, porém. Ele se apaixona por uma enfermeira e começa a usar seus poderes mentais para ferir os que querem matá-lo e os que assediam a enfermeira. Nada de terror.

            “A rena branca” é um filme finlandês de 1952. Em preto e branco, ele merece atenção pela linguagem nada parecida com a dos Estados Unidos. Ele foi dirigido por Erik Blomberg a o único traço de terror que contém é o de um xamã que confere a uma bela moça o poder de se transformar numa rena assassina.

            Por fim, “Laurin” (1980), dirigido por Robert Sigl, foi ambientado numa aldeia alemã. Uma menina cuja mãe morre, tem um pai marinheiro que vive fora. A menina mora com a avó e vive a experiência de ser ameaçada por um professor. Um espírito, provavelmente da mãe, a protege. Há sobrenatural, mas não há terror forte.

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