EM BUSCA DO DESTINO
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 21 de
janeiro de 2020
(QUATRO MATEUSINHOS)
Em busca do destino
Edgar Vianna de Andrade
1917
Segundo meus arquivos (que sempre me enganam), o primeiro filme sobre a
Primeira Guerra Mundial foi “Asas”, de 1927, dirigido por William Wellman. Ele
ganhou o primeiro Oscar de melhor filme, em 1929, ano em que o concurso começou. Ainda consultando meus arquivos, o segundo
foi “Guerra, flagelo de Deus”, de 1930, com direção de Wilhelm Pabst, mestre do
expressionismo alemão. O terceiro foi “Não matarás”, do genial Ernst Lubitsch,
lançado em 1932. Foi a última incursão dele no gênero drama. O roteiro é
linear, mas Lubitsch fala muito mais pelas imagens e pelas associações do que
pelos diálogos. Não era a praia Hollywood. Ele então voltou definitivamente para
a comédia.
Procuro
interpretar essa carência de filmes sobre a Primeira Guerra: o cinema ainda não
contava com recursos técnicos para realizar filmes de envergadura. Não é o que
aconteceu com a Segunda Guerra. Antes mesmo que ela findasse, o cinema já a
explorava, como comprova “Casablanca”, de 1942.
Cento
e dois anos do fim do primeiro grande conflito mundial, o diretor Sam Mendes
procura reviver o feito de Wellman, roteirizando, dirigindo e produzindo
“1917”, já indicado, mas ainda não ganhador, ao Oscar de melhor filme de 2020.
O roteiro é simples: dois soldados de baixa patente são incumbidos de levar uma
mensagem a um comandante prestes a cair numa armadilha dos alemães. Os dois
precisam atravessar uma área evacuada pelas forças alemãs para chegar ao
destino. Mendes consegue criar um clima de suspense nessa jornada, pois o
espectador espera sempre alguma surpresa desagradável. E elas acontecem de
forma inusitada.
O
elenco é basicamente constituído pelos dois soldados. Em seguida, por um só,
exatamente aquele que abominava sua situação de acompanhante escolhido. No
mais, há muitos figurantes. O que merece destaque é a fotografia de Thomas
Newman cuja qualidade não podia ser alcançada em 1927. A travessia de uma cidade
francesa destruída pelos bombardeios pelo cabo sobrevivente é de uma beleza
plástica digna de nota. A fotografia alterna luz e escuridão, alcançando um
belo efeito plástico. A música de Thomas Newman também merece elogios. Uma
viola de arco executa uma melodia plangente e comovente, embora as trilhas
sonoras estejam sempre subordinadas a um programa intelectual e visual.
“1917”
se concentra numa missão dentro da guerra. Poderia ser outra. O que conta,
então, não é tanto o roteiro, mas a maneira de enfocá-lo. Da escassa
filmografia sobre a Primeira Guerra, a produção talvez mais conhecida é “Lawrence
da Arábia”. Dos poucos filmes, elejo como exemplar “Glória feita de sangue”,
com a direção viril de Stanley Kubrick.
Sei que a festa do Oscar
trabalha na curta duração, premiando os filmes que se destacaram no ano
anterior. A escolha de “1917” foi surpresa para alguns por ser um bom, mas não
excelente filme. “Asas” enfatiza o heroísmo dos soldados estadunidenses num
contexto bastante comum no país: jovens paparicados e mulherengos que, na
guerra, revelam sua coragem e amadurecem, voltando como heróis e constituindo
uma família tradicional. “Guerra, flagelo de Deus” é um filme adulto que mostra o cotidiano das
misérias da guerra. Já “Não matarás” é um drama intelectualizado.
“1917”
mostra um aspecto cotidiano da guerra. Houve muitas missões bem e malsucedidas.
O filme de Sam Mendes toma uma dessas missões para acompanhá-la sem exaltar o
heroísmo. Num dos conflitos mais sangrentos da humanidade, houve atos de
heroísmo tanto do lado de ingleses, franceses e estadunidenses quanto do lado
de alemães. Muitos soldados deste país se viram, de repente, envolvidos num
conflito criado por uma Alemanha militarista. O heroísmo é, quase sempre, um
esforço de sobrevivência.
Enfim,
com todas as qualidades estampadas em “1917”, pergunto se ele é um filme que
vai se inserir entre os clássicos do cinema ou vai ser esquecido como “Asas”. É
preciso tempo para conferir.
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