CHUVAS DE JANEIRO NO SUDESTE BRASILEIRO... ATÉ AGORA
Outras Palavras, Campos dos
Goytacazes, 03 de fevereiro de 2020
Chuvas de janeiro no Sudeste
brasileiro... até agora
Arthur Soffiati
Depois de passado o episódio de
chuvas intensas na região Sudeste, em janeiro de 2020, lembrei de um tio meu
que confiava mais na natureza para prever o tempo que nos meteorologistas e nas
moças do tempo. Uma cigarra cantou forte no meio chuva, indicando que o sol
voltaria a aparecer aos poucos. Não quero dizer que esse canto valha para todo
o verão. Pode chover novamente talvez com mais intensidade. Não é hora ainda de
fazer um balanço geral sobre as chuvas de verão de 2020. Num balaço parcial,
contudo, pode-se dizer que o volume de chuva no território em que se ergue Belo
Horizonte e cidades periféricas foi o maior desde que se começou a medir
precipitações pluviométricas por lá, há mais de cem anos. No norte/noroeste
fluminense e no sul capixaba, calcula-se também que as chuvas não têm
precedentes quanto ao volume e quanto aos estragos materiais.
Transbordamento
do rio das Velhas, em Minas Gerais
Afirma-se também que os rios
Iconha e Benevente conheceram enchentes nunca ocorridas nas respectivas bacias.
O dilúvio que se abateu sobre a área de Friburgo em 2011, as chuvas sobre a
região de Belo Horizonte e Sul do Espírito Santo em 2020, os incêndios na
Austrália em 2019-20, deveriam ser considerados como fenômenos climáticos
extremos produzidos pelo aquecimento global. Não basta reconhecer apenas que
ele se deve a ações humanas coletivas, principalmente a queima de combustíveis
fósseis, embora não somente. As temperaturas estão cada vez mais altas desde a
década de 1980. 2016 foi o primeiro ano mais quente nos últimos quarenta anos.
2019 foi o segundo. Mesmo que todos os governos e empresário decidissem mudar o
sistema econômico mundial hoje, tais mudanças seriam lentas, pois a humanidade
globalizada é prisioneira da economia de mercado. Além do mais, o aquecimento
global e os outros nove problemas listados pelo Grupo Resiliência, de
Estocolmo, não retornariam imediatamente a níveis toleráveis. Acontece que os
governos e os empresários têm um discurso de mudança, mas não uma prática
correspondente, como seu viu no Fórum Mundial de Davos recentemente.
Rio Pomba em Cataguazes (MG)
Além disso, não estão sendo
promovidas mudanças na ocupação do solo de modo a enfrentar as tormentas que
estão se agravando ano a ano. Aliás, elas estão sendo promovidas sim, mas no
sentido de agravar mais ainda os ataques do céu. O desmatamento no mundo, o
empobrecimento da biodiversidade, a poluição da água doce e salgada, o
barramento de rios, a construção em áreas perigosas, a impermeabilização do
solo, o crescimento progressivo da exploração de combustíveis fósseis, a
fabricação de veículos automotores movidos por esses combustíveis, o
crescimento desornado e individualista, a corrida desenfreada pelo aumento do
produto interno bruto, a competição entre países, as guerras, o aumento da
produção de armamentos, o uso intensivo de agrotóxicos e aditivos químicos
aumentam ano a ano como se nada estivesse acontecendo na terra e no céu.
Rio Muriaé em Itaperuna
Estamos queimando a vela pelas
duas pontas. Adensamos a atmosfera com gases do efeito estufa, por um lado, e
destruímos o planeta, por outro. As chamas que ardem nas duas pontas da vela
são volumosas. Elas não podem ser apagadas repentinamente, mas deve-se
extingui-las progressivamente. Pelo menos, mantê-las dentro de limites
controláveis.
Rio Carangola em Porciúncula
No que se convencionou denominar de
regiões norte e noroeste do Estado do Rio de Janeiro, o rio Paraíba do Sul vem
aguentado o tranco por enquanto. Sua calha ainda está comportando as águas de
chuva que caem nele diretamente ou nos seus afluentes. Os rios Pomba, Muriaé e
Carangola, afluentes e subafluente do Paraíba do Sul, transbordaram e afetaram
núcleos urbanos, principalmente, como Santo Antônio de Pádua, Laje do Muriaé, Itaperuna
(muito afetada), Italva, Cardoso Moreira, Porciúncula e Natividade. Na bacia do
Itabapoana também houve transbordamento, atingindo Bom Jesus do Itabapoana e
Bom Jesus do Norte, cidades conurbadas entre os Estados do Rio de Janeiro e
Espírito Santo.
Transbordamento do rio
Itabapoana em Bom Jesus do Itabapoana
No vizinho Estado do Espírito Santo,
limito o balanço aos rios Itapemirim, Iconha e Benevente. Sei que outras bacias
foram afetadas, mas não conto com informações suficientes sobre elas. A bacia
do Itapemirim tornou-se muito vulnerável a enchentes e estiagens com o
desmatamento, o assoreamento e a urbanização. Cachoeiro do Itapemirim sempre
sofre com oscilações extremas: enchentes e estiagens. A cidade avançou sobre o
rio. Agora, com chuvas que se precipitam no maciço do Caparaó onde o rio tem
sua nascente, o rio avança sobre a cidade. Não se trata de conceder ao rio
emoções humanas e dizer que ele apenas retoma o que é seu. Na natureza, o
máximo de consciência foi alcançado exatamente pelos humanos. Um rio não tem
noção de propriedade privada. Não se vinga. Apenas cumpre seus ciclos naturais,
que podem ser agravados ou minorados pelas sociedades humanas.
Cachoeiro do Itapemirim. Em
cima: cidade invadindo o rio; embaixo: rio invadindo cidade
Em Cachoeiro do Itapemirim, como em
quase todas as cidades do Brasil, os humanos não sabem onde pisam, não
respeitam limites e contribuem para o agravamento das enchentes e das
estiagens. Ignoramos morar num país tropical, onde as chuvas costumam ser
copiosas. A Amazônia ainda está produzindo rios voadores que descem para o
Sul/Sudeste pelas zonas de convergência corredores do Atlântico sul.
Comportamo-nos, em parte, como se morássemos na zona temperada. Estima-se que o
rio Itapemirim sofreu a mais ingente enchente registrada até hoje. Castelo e Vargem
Alta, no âmbito da bacia, também sofreram inundações. Na bacia do pequeno rio
Iconha, não se tem notícia de enchente mais destruidora que a de 2020,
sobretudo na cidade de mesmo nome, que foi arrasada. Na bacia vizinha do rio
Benevente, a cidade de Alfredo Chaves, na nascente do rio sofreu inaudita
enchente.
Transbordamento do rio Castelo
em Castelo
Notar que as cidades são mais
afetadas que a zona rural. Ou é preciso aprofundar nossa análise? Santo Antônio
de Pádua, Itaperuna, Porciúncula, Italva, Cardoso Moreira, Bom Jesus do
Itabapoana e Bom Jesus do Norte invadiram a área de expansão dos rios, lançando
esgoto e lixo nele. Quando enchem e buscam suas áreas marginais, elas estão
ocupadas por prédios. Seus leitos estão entupidos por lixo.
Estragos feitos pelo rio Iconha
na cidade de Iconha
Cachoeiro do Itapemirim parece a
cidade campeã em invasão de leito e lançamento de lixo. Iconha estreitou o
pequenino rio às margens do qual se ergueu. Vargem Alta e Alfredo Chaves
cresceram dentro de um vale que mais parece uma panela. As chuvas se acumulam
facilmente neles.
Enchente em Vargem Alta
Mas o município de São Francisco de
Itabapoana está embaixo d’´água sem transbordamento significativo de rio. Todo
o território municipal situa-se entre a foz do Paraíba do Sul e a foz do rio
Itabapoana. Existe ainda o rio Guaxindiba entre eles. No entanto, as terras
baixas junto ao mar favorecem o acúmulo de águas pluviais. Além dos três rios,
há córregos barrados. A sede do município e Guaxindiba blindaram o solo.
Atravessando o rio Itabapoana, ingressa-se em Presidente Kennedy e Marataízes,
municípios cujos territórios se assemelham ao de São Francisco de Itabapoana.
Mas não tenho informações sobre eles. É de se supor que muita água de chuva tenha
se acumulado nos córregos também barrados e em depressões dos terrenos. Em
breve, a água das chuvas correrá para o mar, se infiltrará no solo e será
evaporada. Virá, então, a estiagem, mais duradoura que as enchentes. E
reclamaremos. Atacaremos o problema apenas superficialmente, como fazemos com
as enchentes. No próximo ano, repetiremos tudo novamente: consultaremos o
volume de chuva a ser precipitado; olharemos réguas que medem nível de rios;
retiraremos pessoas de suas casas e a colocaremos em abrigos, faremos
donativos, praticaremos o amor ao próximo, desviaremos recursos para nossos
bolsos. E nada terá mudado.
Inundação em Alfredo Chaves, na
bacia do rio Benevente
Como escreveu Gilberto Freyre em
1937, viramos as costas para os rios e abusamos deles. A surra que costumamos
sofrer dos rios com muita ou pouca água não é vingança. É o resultado da crise
ambiental que urdimos e estamos cultivando. Voltar a eles com responsabilidade
não resolverá totalmente os problemas de seca (mais intenso que o de umidade) e
de enchentes. Mas restabelecerá pelos menos um equilíbrio instável.
Alagamento em São Francisco de Itabapoana.
Foto Simone Pedrosa
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